Apresentando uma seleção de obras da série homônima à mostra, Bittencourt guia o visitante por um recorte das fronteiras pseudo-invisíveis que permeiam nossa sociedade e muitas vezes existem silenciosas ao nosso redor.
Com a queda do Muro de Berlim, marcando de vez o fim da Guerra Fria, pintou-se no mundo a imagem de uma sociedade menos dividida, um só povo, chega ao fim as barreiras que nos separam. Contudo, ao ajustarmos nosso foco de percepção podemos ver que, mais do que nunca, estamos cercados de barreiras, talvez agora mais sociais do que físicas, porém tão robustas quanto o antigo muro de concreto.
Na exposição “Sobre Muros”, a ser inaugurada sábado, 21 de outubro, na Galeria Lume, o fotógrafo Julio Bittencourt apresenta obras que abordam as diversas formas que esses muros se constroem no cotidiano. A qualidade tangível de um muro já não é mais sua característica mais marcante. Os muros estão ao nosso redor, em tudo que vemos e vivemos, física ou virtualmente.
As paredes, tanto reais como virtuais ou psíquicas, tentam oferecer o que Heidegger chamou de “uma imagem tranquilizadora do mundo”, no qual todos devem existir segundo um modelo, uma integração sócio-psíquica única. Assim, em várias situações, a exclusão decorre sobretudo dos conflitos de identidade e da violência que eles podem envolver. Os muros explicitam uma realidade do mundo reduzida a uma clara distinção entre “nós” e “os outros “, entre dentro e fora, entre amigo e inimigo. Entre o lado bom e o lado ruim da parede, entre conhecido e desconhecido, entre rico e pobre, entre seguro e arriscado, entre desejado e indesejável. Nesse sentido, a parede marca a assimetria, materializa a diferença e o desequilíbrio produzidos por uma separação muitas vezes desejada e sofrida. Mas, seria possível uma sociedade cujos muros de fato deixem de existir? Até mesmo o artista cria algumas paredes ao tentar simplificar o mundo, enquadrando-o, como fazemos na fotografia.
Em sua terceira individual na Galeria Lume, mais uma vez colocando em questão temas caros à forma como convivemos em sociedade, Bittencourt expõe – em paredes – os muros incomuns que registra durante sua produção, de pontas de lança usadas nos topos dos portões ou o do muro da virtualidade da imagem, a rostos famosos que ilustram as cédulas do que talvez seja o maior dos muros do mundo em que vivemos, o dinheiro. Ao adentrar as salas da galeria o visitante percebe o que o que se ignora ou finge desperceber : estamos cercados.
Serviço
Sobre Muros
Texto crítico: Paulo Kassab Jr.
Local: Galeria Lume
Abertura: 21 de outubro, sábado, das 11h às 17h
Período expositivo: 21 de outubro de 2023 a 25 de novembro de 2023
Horário de visitação: Segunda a sexta, das 10h às 19h; sábados, das 11h às 15h
Endereço: Rua Gumercindo Saraiva, 54 – Jardim Europa, São Paulo – SP
Entrada gratuita
Julio Bittencourt (São Paulo, 1980. Vive e trabalha em Paris, França)
Julio Bittencourt nasceu em 1980 no Brasil e cresceu entre São Paulo e Nova York. Seus projetos foram exibidos em galerias e museus de diversos países e seus trabalhos publicados em revistas como Foam Magazine, GEO, TIME, The Wall Street Journal, Courrier International, C Photo, The Guardian, The New Yorker, Esquire, Financial Times, Los Angeles Times e Leica World Magazine, entre muitos outros. É autor de três livros: “Em uma janela do Prédio Prestes Maia 911”, “Ramos” e “Mar Morto”. Atualmente vive e trabalha em Paris.
Galeria Lume
Fundada em 2011 com a proposta de fomentar o desenvolvimento de processos criativos contemporâneos ao lado de seus artistas e curadores convidados. Dirigida por Paulo Kassab Jr. e Victoria Zuffo, a Lume se dedica a romper fronteiras entre diferentes disciplinas e linguagens, através de um modelo único e audacioso que reforça o papel de São Paulo como um hub cultural e cidade em franca efervescência criativa.
A galeria representa um seleto grupo de artistas estabelecidos e emergentes, dedicada à introdução da arte em todas as suas mídias, voltados para a audiência nacional e internacional, através de um programa de exposições plural e associado a ideias que inspiram e impulsionam a discussão do espírito de época. Foca-se também no diálogo entre a produção de seus artistas e instituições, museus e coleções de relevância.
A presença ativa e orgânica da galeria no circuito resulta na difusão de suas propostas entre as mais importantes feiras de arte da atualidade, além de integrar e acompanhar também feiras alternativas. A galeria aposta na produção de publicações de seus artistas e realização de material para pesquisa e registro. Da mesma forma, a Lume se disponibiliza como espaço de reflexão e discussão. Recebe palestras, performances, seminários e apresentações artísticas de natureza diversa.
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