A Pele que Hábito, a despeito de suas particularidade sobre a filmografia de Pedro Almodóvar, e o livro O Silêncio dos Inocentes, de Thomas Harris, fora de sua continuidade como trilogia, em tantas abordagens e possibilidade temáticas de seus dramas, possuem em torno dos enredos principais um mesmo ponto de muitos outros: o desejo pela pele do próximo.
A pele é órgão que o antagonista Buffalo Bill de Harris procura em suas vitimas, bem como, é o mesmo foco de frustrações do Dr. Robert Ledgard. A pele é o órgão externo que recobre o que constitui nosso corpo, e por fácil indução semântica, que nos cobre e define nossas formas, e ainda mais, nos da uma aparência ligada a nossa essência.
A busca pela pele é a busca pela identidade do outro, uma vez que não a encontramos em nós – Bill. E ainda, configura um louco desejo por ter algo que não existe, ao não ser na superfície, mesmo que inúmera vezes tentarmos aprofundar, incutindo padrões e ideias de dentro para fora – Ledgard.
A tentativa de construir uma aparência falsa, ligada a uma outra essência é loucura. Vestir a pele não concretiza uma alma. O tentar ser algo é o ponto.
Voltando as obras.
Dr. Lecter, de O Silêncio dos Inocentes conta-nos que o assassino serial Bill procura a pele de suas vitimas para construir sinteticamente uma identidade, remendada pela aparência das peles de suas vitimas. Ele, do modo mais árduo, quer edificar uma outra identidade para si, camuflando-se dentro das peles perante a sociedade.
O mesmo órgão que para Ledgar é um experimento de proteção e obsessão, culmina na degradação da personalidade de seu paciente: o médico se torna um monstro refinado, mas não menos prejudicial, tentando criar uma aparência plástica inconsonante com a essência do ser humano por trás de suas intervenções dermatológicas.
A transfiguração da aparência prova-se inútil, segundo essas obras. É descabido cogitar um homem camaleão sem as consequências de uma confusão pessoal junto a um desejo hedonista.
Dr. Lecter tem uma sacada clínica interessantíssima nesse momento: o cotidiano.
O cotidiano condiciona nossos desejos para o que vemos todo dia. Começamos a desejar o próximo, e mais facilmente. O ídolo, o ideal, são instâncias longínquas de nossa realidade. Contentamo-nos com o padrão, fruto das bordas daqueles. A pele é o desejável mais próximo e prazeroso: suas curvas, suas formas.
Esse é o perigo que o Ser oferece: somos o que desejamos, e esquecemos as consequências e os limites quando desejamos compulsivamente a pele alheia, por não estarmos cuidando da nossa. Por preguiça, por inveja, pelos pecados pessoais.
Uma outra mídia nos revela mais alguma coisa sobre o desejo: os quadrinhos de Sandman por Neil Gaiman. O ser antropomórfico Desejo vive num lugar chamado Limiar – sugestivo, não? Ele, irmão dos Senhor dos Sonhos, não as define como homem ou mulher, pois deseja as duas essências para si. Sua personalidade reflete em uma aparência poluída de quereres e de dúvidas.
A pele é o mais próximo e suave objeto que possamos enunciar para desejar ter e tentar ser, pois ela é aparência de uma desejável essência. Contudo, os remendos não adentram os fundos dos olhos.
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