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Padilha faz mais do que um simples remake com "RoboCop"

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Aos saudosistas de plantão, um aviso: este “RoboCop” não é igual ao lançado em 1987, que foi dirigido por Paul Verhoeven. É claro que há elementos do filme original, como algumas frases de efeito ditas pelo protagonista (“Vivo ou morto, você vem comigo!”) e partes da trama da primeira produção em si foram respeitadas pelo roteirista Joshua Zetumer. Mas o brasileiro José Padilha decidiu ir além de fazer uma simples refilmagem e contar uma história que tem muito mais a oferecer do que cenas de ação com muitos tiros e explosões. O resultado final é bem mais interessante do que era esperado por muitos (inclusive este que vos escreve). Portanto, deixe a pirraça de lado por não identificar (inicialmente) aquele RoboCop que você curtia na sua infância e abra sua mente para o que o diretor dos dois “Tropa de Elite” quer mostrar e discutir com um personagem que cativa e, ao mesmo tempo, faz pensar sobre o que acontece no nosso mundo.

Joel Kinnaman;Gary Oldman;Aimee Garcia

Ambientada em 2028, a trama mostra a utilização de máquinas criadas pela empresa americana OmniCorp para pacificar áreas de conflito no exterior, como aviões não tripulados e uma versão mais avançada do ED-209 (visto no filme original). Só que os EUA ainda temem o uso de robôs para garantir a segurança da população, apesar das campanhas na TV do influente Pat Novak (Samuel L. Jackson), um jornalista de extrema direita. Para contornar os problemas legais, o CEO a OmniCorp Raymond Sellars (Michael Keaton) decide colocar um homem dentro de uma máquina e pede ajuda ao Dr. Dennet Norton (Gary Oldman) que escolha uma pessoa para se submeter a esse processo. É quando surge o policial Alex Murphy (Joel Kinnaman), que sofre um grave atentado causado pela gangue do criminoso Antoine Vallon (Patrick Garrow). A esposa de Alex, Clara (Abbie Cornish), autoriza Norton a fazer o tratamento que vai mantê-lo vivo, que o torna o RoboCop. Após passar por um treinamento realizado pelo militar Mattox (Jackie Earle Haley), que detecta que o elemento humano está impedindo que ele consiga resultados melhores em combate, Murphy acaba sendo “reprogramado” e fica ainda mais robótico. Mas, para a surpresa e o desgosto de Sellars, aos poucos o policial acaba se voltando contra as ordens superiores que recebeu.

Joel Kinnaman

A maneira que Padilha resolveu fazer a sua versão de “RoboCop” é louvável, levando em conta de que ele não estava disposto a repetir o que já tinha sido feito no original e nas sequências de 1990 e 1993 (bem inferiores). O diretor preferiu, entre outras coisas, desenvolver melhor seus personagens. O protagonista é o melhor exemplo disso, já que ele aparece apenas após 11 minutos do início do filme e em situações no trabalho e também com sua família, para que o público saiba quem é o Alex Murphy “de carne e osso”, antes que se torne algo menos homem e mais robô. Isso foi um dos acertos do cineasta, que faz com que o espectador se comova com o conflito homem-máquina, que pode custar a desumanização do personagem. Além disso, é interessante notar a crítica feita contra a mídia extremista que existe nos EUA, representada por Novak, que não concorda com nenhuma ideia contrária à que ele acha a certa. Isso fica bem claro na hilariante cena de um debate que o jornalista propõe entre Sellars e o senador Hubert Dreyfuss (Zach Grenier) em seu programa de TV. Assim como em “Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro”, Padilha também quis mostrar que os verdadeiros criminosos não estão nas ruas, mas sim no alto escalão, e que são capazes de grandes estragos apenas visando o lucro, como o personagem de Keaton.

robocop-2014-movie-review-3

Mas, infelizmente, “RoboCop” também tem suas falhas. Embora seja um diretor de pulso firme, José Padilha não consegue realizar grandes cenas de ação, que parecem bem mais do mesmo, apesar da ótima montagem do brasileiro Daniel Rezende e Peter McNulty e da fotografia de Lula Carvalho. A única digna de nota é um tiroteio que acontece num armazém às escuras. Outro problema está na concepção dos vilões. Embora Sellars seja interessante, já que sempre tem uma solução para um problema que surge repentinamente (o que o torna mais inteligente do que os outros ao seu redor, numa clara alusão a Steve Jobs), o traficante de armas vivido por Patrick Garrow é pouco carismático e não representa nenhum perigo real aos personagens, ao contrário do Clarence Boddicker vivido por Kurtwood Smith no filme original, que realmente era intimidador com seu sadismo e frieza. Além disso, o parceiro de Murphy interpretado por Michael K. Williams é pouco aproveitado e serve apenas para soltar algumas frases engraçadinhas e levar alguns tiros.

Samuel Jackson

Mas o elenco principal está muito bem. O sueco Joel Kinnaman consegue passar bem o conflito que vive de ser um ciborgue à sua revelia, ao mesmo tempo em que procura manter os mesmos ideais que tinha antes da tragédia. Gary Oldman, com sua competência habitual, conduz bem as questões do Dr. Norton e torna plausível a sua preocupação com o que seu projeto pode prejudicar a mente de Alex. Michael Keaton faz o que se espera com o seu papel, mas precisa parar de usar os mesmos maneirismos de outros papéis que interpretou no passado, assim como Jackie Earle HaleyAbbie Cornish tem boa química com Kinnaman e se mostra muito mais firme e decidida como a esposa de Murphy do que a personagem foi no original, já que filme de Verhoeven, ela praticamente não aparece. Mas o grande destaque de “RoboCop” é Samuel L. Jackson, com seus discursos inflamados e irônicos, além de seu figurino inusitado. Ele domina todas as cenas em que aparece e torna seu Pat Novak realmente marcante para o espectador.

O “RoboCop” versão 2014 foi realmente uma aposta arriscada para José Padilha e a MGM. Mesmo que não seja um grande sucesso de bilheteria (especialmente nos EUA), o filme vale a pena ser conferido não apenas por ter sido um blockbuster dirigido por um brasileiro. Mas também por ser um filme um pouco mais audacioso do que é visto em remakes em geral. No fim das contas, o saldo é mais do que positivo. Agora, é aguardar os próximos projetos de Padilha e se o novo Alex Murphy vai reaparecer nos próximos anos fazendo o que faz melhor: Protegendo os inocentes de Detroit.

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1 Comentários

  • Novak faz a parte dos comerciais esdrúxulos das redes de TV no filme de Verhoeven; Já o Dr. Norton é um claro sinal dos rompimentos dos limites da ética pela tecnologia e, mais especificamente, a biotecnologia que promete restauração de membros, vida normal etc. O novo Robocop é um filme de drama e não ação, violência à liberdade e não à carne como foi o primeiro filme, com mais verossimilhança dos acontecimentos do que no primeiro, afinal, lembremos que no primeiro o oficial Alex Murphy “morreu” e a corporação tomou posse do corpo dele sem sequer se preocupar com a família, algo impensável mesmo hoje em dia.

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