Depois de um hiato causado pela pandemia de COVID-19, a velha chibata da TV contra o cinema voltou às telinhas. Cine Holliúdy, a série, teve as gravações interrompidas por uma das ondas mortais do coronavírus, mas como uma fênix cinematográfica renasceu das cinzas, e aproveitou a reprise inesperada da primeira temporada, logo no início do isolamento social, para angariar mais fãs. E como merece ter fãs! Cine Holliúdy, essa série irreverente e com tanta brasilidade, voltou ainda melhor para sua segunda temporada.
Logo de início, um desfalque: Letícia Colin, que interpretava a protagonista, Marylin, teve conflitos na agenda e por isso deixou o elenco. De início, a notícia era que Bianca Bin a substituiria, mas a substituta foi na realidade Luisa Arraes. Para justificar esta dança das cadeiras, na série Marilyn foi para o Sudeste tentar ser artista de novela. Um dia, esperando que ela voltasse a Pitombas, Ceará, o “cinemista” Francisgleydisson (Edmilson Filho) vai até a rodoviária, mas quem ele acaba encontrando é Francisca (Luisa Arraes).
Francisca é filha do ex-prefeito Olegário (Matheus Nachtergaele) e de uma “mulher da vida” que hoje vive em Fortaleza. Francisca não quer herança nem nada: quer apenas conhecer o pai, o que consegue sem muito esforço. Olegário está agora mais preocupado com seus afazeres – e possíveis vantagens da posição – como marido da nova prefeita, Maria do Socorro (Heloísa Périssé). Quem também está a mil com a nova prefeita é o assessor da prefeitura, Seu Jujuba (Gustavo Falcão), que quer muito mais do que simplesmente servi-la com maestria: ele quer se tornar amigo íntimo da ocupante da prefeitura.
Ao lado do cinema de Francisgleydisson ainda funciona a venda do líder da oposição pitombeira, seu Lindoso (Carri Costa). A ele e à esposa ultrarreligiosa dona Belinha (Solange Teixeira), se juntou a filha do casal, Formosa (Lorena Comparato), que apareceu e fez sucesso em um episódio da primeira temporada. A ascensão de Formosa a personagem regular adicionou ainda mais caos – mas um bom caos – à série e às aventuras cinematográficas de Francisgleydisson.
Aqui, uma mudança em relação à primeira temporada: há menos foco nos filmes que Francis faz e mais integração entre todos os núcleos, usando o cinema como mote. Essa integração dos núcleos seria impossível se não houvesse total integração entre os atores. Aqui, destacamos dois episódios em especial. No primeiro, uma mandinga faz Francisca e Formosa trocarem de corpo, e tem-se início uma série impagável de imitações entre Luisa Arraes e Lorena Comparato, que ficam perfeitas como “a outra” de Francis. O outro episódio de destaque é o musical, inspirado na exibição no cinema de Embalos de Sábado à Noite e na novela “Dancin’ Days”, quando é inaugurada uma discoteca em Pitombas e acontece um brilhante concurso de dança. Neste episódio, ficou patente a preparação corporal e vocal do elenco, que se dedicou ao máximo para fazer um episódio que foi o máximo.
O último nome nos créditos de um filme ou série é destinado para aquela pessoa que dá forma ao produto audiovisual – em geral, o diretor. Em Cine Holliúdy, o crédito final é da diretora de arte Patrícia Pedrosa. E realmente é a direção de arte o grande destaque da série: presente na escolha dos cartazes nas paredes do cinema – que podem convidar o espectador a um jogo de reconhecimento, descobrindo quais filmes exibidos no Cine Holliúdy já viu – e na construção dos cenários dos filmes de Francis – uma grande escolha é, durante um filme sobre espíritos, criar cenários angulosos como os do über clássico O Gabinete do Doutor Caligari (1920) – a direção de arte dá o tom de tudo e transforma Pitombas na capital fictícia do cinema.
A primeira temporada foi comparada às chanchadas que tanto alimentaram nosso cinema em meados do século passado. E aqui realmente vale a comparação: o humor de Cine Holliúdy se assemelha ao das chanchadas: simples, mas nunca besta, sem depender de estereótipos ou precisar ofender ninguém. É o humor que advém, para citar um exemplo, do personagem interpretado pelo cantor Falcão: o cego Isaías, figura sempre presente na plateia do cinema, que por vezes dirige um carro de som anunciando novidades no município e também é o cinegrafista oficial das produções de Francis. Humor baseado no absurdo das situações, mas nunca no fato de que o personagem é deficiente visual.
Primeiro foi um curta-metragem, depois deu origem a dois longas, agora é série de TV: o Cine Holliúdy, como produto audiovisual, não precisou escolher entre a TV e o cinema, pois brilhou em ambos. E nós, e os personagens também, não precisamos escolher: a única escolha certa aqui é ficar ligado e não perder um episódio de Cine Holliúdy, essa série joiada que não nos deixa esquecer o poder do cinema de fazer sonhar e mudar o mundo.
Comente!