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Devoradores de estrelas, de Andy Weir, um bom suspense no espaço

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SINOPSE: Ryland Grace é o único sobrevivente de uma desesperada missão de emergência ― se ele falhar, toda a humanidade e o planeta Terra serão destruídos. Mas no momento ele não sabe de nada, Ryland não se lembra nem do próprio nome, muito menos de sua missão ou de como cumpri-la. Tudo o que sabe é que dormiu por muito, muito tempo. E que despertou a milhões de quilômetros de casa, com apenas dois cadáveres como companhia.

Com os colegas de tripulação mortos e as memórias confusas retornando aos poucos, Ryland vai perceber a tarefa impossível que tem nas mãos. Viajando pelo espaço em sua pequena nave, cabe a ele descobrir a resposta para um enorme mistério científico ― e derrotar a ameaça de extinção da nossa espécie. O tempo está acabando, e o humano mais próximo está a anos-luz de distância, então Ryland terá que fazer tudo isso sozinho. Ou será que não?

Análise

O terceiro livro de Andy Weir (1972), após o grande sucesso de Perdido em Marte (The Martian, 2011) e o mais discreto Artemis (2017), retorna a um personagem solitário e em circunstâncias extremas, mas com uma ameaça em uma escala muito, muito maior do que a da primeira obra.

Devoradores de Estrelas (Project Hail Mary) é uma viagem contra o tempo, cheia de suspense e adversidades. Weir oferece nesta ocasião uma ambiciosa ficção científica com um toque clássico, ampla exibição tecnológica e bases científicas e especulativas expostas com  bastante clareza e convicção, o que torna a leitura uma experiência crível, envolvente e muito agradável.

Uma leitura que coloca no alvo a posição da humanidade no universo, como alertou Robert A. Heinlein em suas narrativas, frente à fraqueza e ao perigo de colocar todos os ovos na mesma cesta diante de uma possível catástrofe externa que ameaça a vida na Terra. Um sci-fi especulativo que trata de algo constante no autor: sobrevivência em circunstâncias extremas, com resiliência, engenhosidade, autoaperfeiçoamento e a força da amizade.

Um cara acorda desorientado e em péssimas condições médicas em um local com cadáveres mumificados. Não conseguindo lembrar nem seu próprio nome, nem o que está acontecendo, inicia uma carreira de aprendizagem na qual, enquanto vai recuperando gradativamente suas memórias e conhecimentos, terá que enfrentar grandes desafios com uma recompensa imensa se for bem-sucedido, e um destino terrível se falhar.

Esse cara é Ryland Grace, um astrobiólogo, outrora professor do ensino médio que carrega o futuro de toda a humanidade em seus ombros e sua missão, apesar do fato de estar em andamento há muitos anos, apenas começou. Mas o que exatamente é essa missão? E, não sabendo o que está enfrentando, ele conseguirá completá-la sozinho?

Sem spoilers, para desfrutar a leitura, temos uma narrativa que apresenta a viagem interestelar de forma realista, com referências críveis – dentro de uma especulação muito ousada, digamos – bem técnicas e científicas, e desenvolvidas para uma leitura fácil. São especulações que ultrapassam a ciência e a tecnologia atuais, mas que coube ao autor estabelecer e descrever de forma tão coerente que faça funcionar. E Weir foca em muitas passagens do romance, às vezes transformando-os em autênticas protagonistas da história, mas, sempre fiel ao dever de entretenimento de todo o livro.

Ryland, como o Mark Watney de Perdido em Marte, é um homem cheio de inventividade, como um MacGyver do espaço, engenhoso, cheio de determinação… mas com um ressentimento interno, uma certa desconfiança para consigo mesmo motivado por um fato em sua trajetória acadêmica que marca todo o seu desenvolvimento.

E, como Watney, narra na primeira pessoa, com notável otimismo, seu aprendizado e suas desventuras diante do terror da mais extrema solidão. Sua firme vontade de sobreviver e vencer  uma empreitada que a princípio não tem ideia do que seja é descrita com humor, às vezes tingida de um certo sarcasmo, que consegue tornar mais suportável a enorme sucessão de infortúnios que sobrevêm ao seu protagonista.

Ao longo da jornada, teremos tempo, conforme suas memórias voltam à sua mente, para refletir sobre que tipo de pessoa ele é. Weir sabe explorar todo o potencial do recurso literário recorrente do personagem amnésico, dando ao leitor os informações para desfrutar a plenitude da história na ordem mais adequada.

Dividindo habilmente a narrativa do presente com a história passada do protagonista e os acontecimentos que o levaram à situação em que se encontra, sua história é cheia de surpresas e reviravoltas. Talvez muitas reviravoltas. Há um momento, após o número de revelações, em que a ação se torna um tanto saturante. São tantas as coisas que acontecem ao protagonista, num acúmulo, sem trégua, que sofremos tanto no presente quanto no passado da narrativa, contratempo após contratempo. Apesar desse acúmulo, torna-se impossível não aproveitar do encadeamento de adversidades, infortúnios, riscos extremos e soluções engenhosas em que o protagonista está envolvido.

A meio caminho entre a ingenuidade e a esperança, Weir aposta na mensagem porque a humanidade, em seus momentos mais sombrios, é capaz de se unir e trabalhar na mesma direção, pois só com a dedicação chegará no objetivo da missão.

CURIOSIDADE: Os diretores Phil Lord e Chris Miller (Homem-Aranha no Aranhaverso) estarão a frente da adaptação da MGM da narrativa e terá Ryan Gosling (LaLaLand) como o protagonista.

Veredito

Uma obra emocionalmente intensa, cuja ação dramática produz grandes oscilações de humor – no protagonista e no leitor, indo do desespero à euforia e de volta à angústia em um só momento. E com muitas, muitas surpresas. Uma odisseia no espaço com tudo o que isso acarreta, da maneira que se inicia a jornada interestelar, relativísticamente coerente e o que isso acarreta – a situação de trânsito da tripulação, o problema da alimentação, a higiene diária … – tudo isso diante da imensidão do cosmos, seus mistérios e ameaças que ninguém poderia imaginar. E, bem no final, a narrativa se desenrola como um belo hino à amizade e ao altruísmo.

Nota: Excelente – 4 de 5 estrelas

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Por
Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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