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Elogio À Solidão: Uma Reflexão sobre Estar Sozinho em Meio Aos Outros no Mundo

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A humanidade atualmente passa por uma parte significativa se encontra em um estado curioso, que podemos até chamar de “isolamento social”. O termo lembra até a situação que passamos mis recentemente, devido a pandemia, mas o termo carrega um paradoxo que é o mais próximo da máxima “não estamos verdadeiramente isolados”.

Estamos em nossos trabalhos, vivendo as mídias sociais, os sites de notícias e da televisão e podcasts para causar uma sensação de conexão com o mundo lá fora. O silêncio parece tão distante como sempre foi. Nem somos exatamente sociais, embora tentemos. Whatsapp, Telegram, Skype e Instagram transmitem rostos e vozes ao vivo em nossos quartos, mas sentimos falta do físico e da energia de uma conversa.

A situação pode parecer nova, mas as frustrações que ela provoca são antigas. A questão é mais íntima, de como ficar sozinho nos dias de hoje. E a resposta, sugerida por Stephen Batchelor em Elogio à Solidão: Uma reflexão sobre estar sozinho em meio aos outros no mundo (The Art of Solitude), é que tem pouco a ver com o lugar que habitamos ou as pessoas que vivem ali. Batchelor considera a solidão não como um estado de espírito, mas “como uma prática, um modo de vida – como entendido tanto por Buda quanto por Montaigne”.

Não é isolamento ou alienação, embora estes sejam seu lado sombrio. Pelo contrário, é uma maneira de cuidar da alma, de protegê-la da agitação, de encaminhá-la para seu propósito autêntico. Batchelor está menos interessado em definir uma forma ideal de solidão do que em meditar sobre como ela pode ser praticada e exercitada, perdida e recuperada.

O escocês Stephen Batchelor aos 18 anos viajou para a Índia e começou a estudar na Biblioteca de Obras e Arquivos Tibetanos. Dois anos depois foi ordenado monge budista e viajou o mundo para conhecer mais sobre as tradições do budismo. Da Índia a Europa, da Coréia do Sul a Hong Kong, de sua ilha a morada atual na França, ao longo desse caminho se ordenou e se estabeleceu como Professor Orientador e casou-se.

Em 2015, ajudou a fundar o Bodhi College, projeto educacional europeu dedicado à compreensão e aplicação do budismo secular. Elogio à Solidão está impregnada de uma vida inteira de pensamento e prática budista, mas, como sugere este esboço biográfico, também está em desacordo com ela.

A postura de Batchelor não é de fé, mas de indagação, e o autor busca suas inspirações em todas as direções. Apresenta nos capítulos, meditações que saltam das pinturas de Agnes Martin e Johannes Vermeer para os escritos de Buda; dos ensaios de Michel de Montaigne às vívidas lembranças das experiências que Batchelor teve em jornadas espirituais guiadas. É nítido que o autor possui uma inquietude, a citação quando Montaigne descreve sua mente galopando como um cavalo em fuga, traz a afinidade à luz de nossa leitura.

Segundo Batchelor, o livro é uma exploração multifacetada daquilo que sustentou a própria prática de solidão do autor durante os últimos quarenta anos: passar temporadas em lugares remotos, apreciar obras de arte e trabalhar com arte, praticar meditação e participar de retiros, tomar peyote e ayahuasca, além de treinar a sua mente para se manter aberta e questionadora, tudo isso contribuiu para sua capacidade de ficar só e à vontade comigo mesmo. Há mais na solidão do que simplesmente estar só.

A solidão, assim como o amor, representa uma dimensão por demais complexa e primordial da vida humana para que possa ser capturada numa única definição. Esta obra não pretende “explicar” a solidão. Procura revelar sua dimensão e profundidade, contando histórias de seus praticantes.

Elogio à Solidão não oferece uma narrativa linear, o autor se inspira na arte de colagem para organizar as seções do livro em um mosaico parcialmente aleatório de objetos encontrados: memórias, reflexões, citações favoritas. Como fosse guiado por um princípio de não-contiguidade desenvolve o gancho que dois capítulos sobre o mesmo tema não aparecem juntos. Com isso, objetiva diminuir seu próprio controle autoral e dar ao leitor o poder de dar sentido às partes díspares, para encontrar preciosidades que passaram despercebidas ao autor.

O livro, portanto, se assemelha muito à não-ficção contemporânea e apresenta contextos sobre a solidão. A verdadeira solidão que deve ser cultivada, não se pode ligá-la ou desligá-la à vontade. A solidão é uma arte. É necessário um treinamento mental para refiná-la e estabilizá-la. Ao praticar a solidão, você se dedica ao cuidado da alma.

A noção de solidão, para aqueles que rejeitaram a religião em favor do humanismo secular, talvez sugira comodismo, egocentrismo ou solipsismo. Inevitavelmente, algumas pessoas são atraídas pela solidão de modo a escapar de responsabilidades e evitar relacionamentos. Mas para muitas, ela proporciona tempo e espaço para desenvolverem a calma e a autonomia necessárias a um envolvimento eficaz e criativo com o mundo.

Como convém a um ex-monge, Batchelor continua voltando às celas. Em um capítulo cativante, ao  descrever uma visita às Cavernas de um complexo monástico escavado na rocha na Índia, que data do primeiro século A.C. De pé em uma sala esculpida na encosta, reflete sobre os limites de buscar o aprimoramento espiritual fugindo da sociedade.

Momentos de tranquila contemplação, seja diante de um cenário único, de uma obra de arte ou ao observar a própria respiração, tudo pode permitir que a pessoa repense o significado de sua vida e reflita sobre o que lhe é mais importante. A solidão não é um luxo para os poucos que dispõem de horas vagas. É uma dimensão inescapável de ser humano.

A maior parte do livro pisa terreno conhecido. As observações de Batchelor sobre atenção plena e desapego das paixões podem ser encontradas em qualquer livro de autoajuda ou podcast hoje. A questão aqui não é criar uma nova maneira de ser, mas sim redescobrir o que já se sabe. Este é um dos insights de Batchelor, não tanto afirmado, mas acumulado de sua experiência e dos contrapontos das tradições orientais e ocidentais, de cenas antigas e contemporâneas, exemplos do mundo da religião e da arte: ao aprender a nos separar da cacofonia da multidão – ou o feed do Twitter — nos juntamos a uma comunidade diferente e invisível.

E assim escreve Batchelor: “Olhe longamente e com atenção suficiente para si mesmo isoladamente, e de repente você verá o resto da humanidade olhando de volta.” Vire o “isolamento social” do avesso e começa a soar verdadeiro.

Elogio à Solidão: Uma reflexão sobre estar sozinho em meio aos outros no mundo é um colóquio tranquilo, um convite para pensarmos juntos em um pequeno espaço.

Nota: Excelente – 4 de 5 estrelas

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Por
Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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