“Euphoria”: o frescor de ser um microcosmo tão bem feito e identificável

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A adolescência é talvez quando primeiro entramos numa espécie de microcosmo de nossas próprias paranoias em confronto com nossa identidade. Abordar esse período e persuadir identificação é um êxito não muito conseguido, sobretudo em séries de TV que tem por característica a diluição de temas para atender a demanda por episódios. Euphoria, primeira incursão da HBO nesse universo de maneira mais objetiva, consegue. E ainda amplia essa expectativa para caminhos estéticos mais sofisticados, e abordagem dramática de seus personagens muito pungentes.

Na teoria, a série é uma adaptação da israelense Hot, mas, na prática, o criador e diretor Sam Levinson faz um trabalho confessional, baseado em suas memórias juvenis de quando teve problemas com drogas.

A trama acompanha a vida de um grupo de jovens do ensino médio, sob a ótica de Rue (uma Zendaya espetacular, já merecedora de todos os prêmios possíveis), que tenta voltar à rotina normal, após internação devido ao vício por entorpecentes. Ela que vai narrando e descrevendo a personalidade e a vida de cada integrante do grupo, e a narrativa vai explorando esses universos próprios que, dada a abordagem amoral e psíquica que Sam imprime, consegue sair do lugar comum que esse tema costuma ser mostrado, para caminhos mais inventivos, sobretudo tecnicamente (a sinergia entre a fotografia saturada e um desmedimento nos planos e angulações são tão importantes quanto o ótimo roteiro).

A montagem de Julio Perez tem a delicadeza da descontinuidade, ao compreender bem a linguagem de Levinson. Mas o grande mérito tanto do roteiro, quanto dos atores, para além da direção, está na admirável capacidade da história aglutinar e adensar seus personagens. Todos são interessantes forjados em suas perspectivas. Absolutamente todos. Até a mãe de Rue (Nika King), um papel mais elementar, tem uma abordagem humanista nitidamente bem pensada e construída.

Além de Zendaya, Hunter Schafer, Sydney Sweeney, a mezzo brasileira Barbie Ferreira, Algee Smith, Alexa Damie e Jacob Elordi são destaques que mereciam um texto próprio. Raramente vemos um elenco inexperiente tão bom, tão complexo quanto os personagens que incorporam.

Assim, Euphoria, que nem aguardada foi, acaba sendo o grande acontecimento da televisão norte-americana do ano. Muito pela propriedade de retratar o microcosmo que um dia fomos. Ou nunca deixamos de ser.

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