O escândalo Phililppe Dussaert, do ator e dramaturgo francês Jacques Mougenot, é um texto fantástico sobre os critérios do que pode ser considerado arte contemporânea e a dimensão valorativa atribuída àquilo que conquista o direito de ser assim nomeado. O que é o artista? Como se pode defini-lo, reconhecê-lo? Qual a diferença entre um quadro feito por um chimpanzé com coordenação motora suficiente para jogar tintas em uma tela, e outro, feito por qualquer humano, figurativo ou abstrato?
Essas são algumas das questões que o texto de Mougenot abrange de modo leve e inteligente, do início ao fim. Encenado com brilhantismo pelo ator Marcos Caruso e com direção preciosa de Fernando Philbert, o espetáculo está em cartaz no Teatro Maison de France.
A peça conta a história do artista Philippe Dussaert, pintor conhecido como copista de quadros consagrados de autores como Da Vinci, Vermeer, Manet e diversos outros, mas com a característica muito própria e intrigante de excluir dos quadros que copia as figuras humanas ou animais presentes nos originais, preservando o fundo da maneira como o autor o concebeu.
Os quadros, chamados de “Ao fundo de…”, com a continuação sendo o nome da obra original, propiciam sua inserção no mundo da arte contemporânea, e Dussaert, não obstante a polêmica que gravita em torno dele, ganha visibilidade, renome e prestígio, até o ápice de sua ‘originalidade’, quando sua última inventiva fica conhecida como ‘o escândalo Philippe Dussaert’, que dá nome à peça.
O eficiente cenário, assinado por Natalia Lana, compõe-se basicamente de uma cadeira e uma mesa, onde estão dispostos livros que serão consultados durante a apresentação, o suficiente para permitir uma analogia com a própria história que o personagem constrangido de Marcos Caruso irá contar à platéia que vai à conferência ouvi-lo falar sobre o caso e sobre arte em geral.
A preciosidade da direção de Fernando Philbert se faz notar em pequenas joias que são introduzidas, de modo harmônico e elegante, no discurso do personagem, como efeitos de voz, eco e movimento, para citar alguns, que permitem a transposição dos conceitos discutidos por Marcos Caruso à compreensão menos racional, e mais sensorial, da platéia.
Junto a isso, é importante apontar o timing e a leveza da interpretação de Caruso, cujo personagem parece oscilar entre a admiração pasma (admiração que ele talvez relute em abandonar) pelo tema mais geral da arte e o sarcasmo contido em relação à quantidade de conceitos, discussões, textos, polêmicas, livros espessos, valores, eventos e teorias criados em torno de coisas muito pequenas. E talvez haja, no personagem, mais sarcasmo contido e fino do que admiração pasma diante das obras de arte e seus autores. O que o personagem divide com sua plateia é a perplexidade, mal disfarçada e bem-humorada, diante da ideologia, difícil de detectar e destrinchar, que subjaz a tudo o que é considerado arte.
A peça, em cartaz há quase uma década na França, deu a Jacques Mougenot o Prêmio Philippe Avron e é o primeiro trabalho solo de Marcos Caruso após quatro décadas de carreira. A comédia fica em cartaz até 18 de dezembro.
FICHA TÉCNICA
Texto: Jacques Mougenot
Tradução: Marilu de Seixas Corrêa
Direção: Fernando Philbert
Interpretação: Marcos Caruso
Cenário e Figurino: Natalia Lana
Iluminação: Vilmar Olos
Direção Musical: Maíra Freitas
Vídeos: Rico Vilarouca
Assistente de Direção Vinicius Marins
Direção de Produção: Carlos Grun – Bem Legal Produções
Realização: Galeria de Arte CorMovimento Ltda
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
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