Um observador havia parado ali numa esquina sem ser visto e apenas usando seu ouvido, havia escutado uma conversa entre dois sujeitos afeitos a colocarem verbos em tudo. Só o complemento não havia, pois os dois não sabiam que estavam sendo ouvidos por uma não presença. O rosto que escutava fazia marcações ou rubricas na conversa alheia, dando ao seu pensamento que talvez até depois escrevesse algo sobre as lacunas daquele entrevero. Quem nunca escutou uma conversa sem se identificar como audição conhecida? É só percorrer a cidade e se deslocar como passante ou passageiro, ir recolhendo informações aqui, acolá e quase montando um mosaico. Pensei nisso ao ler o livro de contos “Por assim dizer” da escritora Yara Camillo (editora Patuá) pois suas histórias estão sendo sempre ouvidas ou guardadas por um corpo ou organismo que se ausenta, mas escuta.
Trabalho de filigrana com a linguagem, pois as palavras, a principio, nomeiam e designam. Yara abarca sempre a vida, mas ela não é rasteira como um exercício de tabuada onde colocamos 1+1 e igualamos a dois. Como qualquer bom roteiro, a vida tem suas subtramas; tem sombras e fendas onde o conteúdo das palavras ou de uma conversa se escondem da claridade do dia.
Através de um recorte de um cotidiano entre seres habituados ao complexo âmbito familiar, vemos mães guardando ausências de filhos mortos e sublimando-os em outros entes num exercício de cobrança. Projeções de desejo de conhecidos sobre a vida de alguém, quase num processo de escrita criativa sobre forjar uma identidade que quase não se vê.
Tais histórias e personagens parecem que habitam o espaço do esgarçamento do realizado e do real, pois, acreditam num exercício de fé em preencher lacunas, talvez como o personagem colocado neste início de resenha por mim que escuta e projeta a fantasia ao seu bem-querer.
É muito interessante notar que uma ação possa não ser desenvolvida até o final, como se pegasse o bonde andando, os próprios espaços que a autora dá aos seus personagens que poderiam externalizar fatos, dores, lembranças, são no espaço da ação em curso, dramaturgicamente falando, espaçamentos de uma dupla vontade ou volição entre falar e calar e entre consentir e se ressentir fazendo do leitor um observador incluso dos liames das suas vidas.
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