Não é uma questão de fé. Palavras não são religiosas. Os padres as tomam emprestadas em discursos manufaturados em estética e compromisso. A palavra, dizia um fazendeiro, é bicho do mato. Uma hora está à caça de um predicado, em outras está dentro de uma toca, procriando sugestões, que são princípios do sujeito-nascido. Mas se digo que a palavra não é dada a conluio com a religião, como devo eu, ao assinar esta resenha, tentar a justificativa que os poemas da poeta Fernanda Fatureto em Ensaios para a queda, Editora Penalux, possuem uma certa divindade com o religioso, com o sagrado?
Vou mais além, digo que sua escritura, uma espécie de escrita ligada ao movimento da história, está ligada ao fluxo ou passagem de um cair. Transitar pelo sagrado é um situação belíssima. Mas ficar só ali não muda a pessoa, não a faz atravessar: criar travessias. Assim como um dos grandes medos do homem é conhecer a gruta. Um espaço onde o civilizatório não entra, onde o caminho é cercado de sombras e de acessos perniciosos. Não podemos nos quedar numa gruta? Uma imagem esquisita e louca. A própria gruta já é em sim uma queda, não de altura, mas de permanência.
Os poemas de Fernanda atravessam uma espécie de jornada do anti-herói. Não só tematicamente. Na fisiologia da sua linguagem há todo um processo através da língua que a autora domina de forma exímia: uma forma de deslocação, aqui não falo de deslocamento. Não o ato físico de andar. Mas uma dança pagã antes de uma mudança reflexiva entre os versos que vão caindo pela página rumo ao pé da página; são pequenas alterações litúrgicas do sentido sagrado ao pagão. Como se a autora recusasse qualquer sentimento de proteção ou conforto em fechar o poema de forma “limpa”.
Dividido em 3 suítes – travessia, miragem e polifonia – cada uma faz através de alusões sutis ao processo de travessia, ou de reconhecimento diante do insólito/ ilusório, na segunda suíte. Creio eu que a poeta faz uma espécie de metalinguagem na forma expositiva do diálogo da religião, não o conteúdo, e sim a práxis. Utilizando a forma como o discurso religioso é propagado, sua complexa forma de propagação, de comunicação durante milênios. Mas Fernanda é sábia ao não usá-lo como conversão. Sua possessão é muito mais um ligação com o processo de queda, de perder-se numa parte que não é ou não deve ser integra-ação. Fernanda conhece todos os caminhos que levam alguém à literatura, sabe que o poeta é um próprio moedor da dor sua e do mundo.
Título: Ensaios para a queda
Autora: Fernanda Fatureto
Editora: Penalux
Publicação: 2017
Páginas: 74
Preço: R$ 34
Comente!