“Você já se sentiu em uma festa onde não conhece o idioma?” Muitos millennials estão familiarizados com essa sensação: quando seus amigos começam a ter filhos, eles – nós – se sentem deslocados, deixados para trás até. A rotina dos amigos muda, de repente não há mais tempo ou espaço para aventuras e diversão com os velhos camaradas. É por essa experiência, de perda dos amigos para a maternidade, que a protagonista da série O Bebê está passando, quando ela própria recebe, literalmente dos céus, um bebê para cuidar.
Natasha (Michelle de Swarte) está decepcionada com as amigas com quem joga pôquer nas noites de sexta-feira. Uma amiga tem um bebê pequeno, a quem dispensa toda sua atenção, e a outra amiga acaba de anunciar que está grávida. Ao expressar seu descontentamento com a situação, Natasha é mal interpretada pelas duas. Sozinha e confusa, decide passar um tempo numa casa afastada, colocando os pensamentos no lugar.
Na noite em que chega a esta casa, Natasha vê uma mulher cair do penhasco ao lado da construção. Logo depois, cai em seus braços um bebê. Todas as tentativas de se livrar do bebê são mal sucedidas, e parece que todos ao seu redor já aceitaram que o bebê é de Natasha. Mortes de pessoas e animais começam a acontecer e surge na vida dela a senhora Eaves (Amira Ghazalla), uma mulher excêntrica que está há muito tempo observando aquele estranho e aparentemente maléfico bebê.
Na metade da temporada, conhecemos a irmã de Natasha, Bobbi (Amber Grappy), com quem ela não conversa há três anos. Bobbi está tentando adotar um bebê com sua companheira, e recebe com bem-vinda surpresa o bebê de que Natasha está cuidando. Assim, Natasha se vê obrigada a se reaproximar também de sua mãe, uma hippie com quem não falava havia 15 anos. Com o tempo, Natasha começa a ver melhor as questões que assombram suas amigas que são mães e também a entender o lado de sua irmã.
A história sobre como Michelle de Swarte conseguiu o papel protagonista é mais interessante que a série em si. Comediante de stand-up, ela viu sua principal fonte de renda ser dizimada pela pandemia. Precisando se reinventar, Michelle decidiu fazer comédia através do Zoom. Apesar das dificuldades que a plataforma de videoconferência apresentou para a comediante, foi numa de suas apresentações online que ela foi convidada para fazer o teste para a série O Bebê, que é apenas sua segunda aparição num programa de TV.
Durante alguns episódios, temos a sensação, quase a certeza, de que a série enveredaria por um caminho muito perigoso e pregaria a mensagem de que a mulher precisa aceitar a maternidade como destino, independente de sua vontade.
Por o bebê escolher apenas mulheres que não desejam ser mães – e isso inclui sua própria mãe biológica, cuja história conhecemos no episódio mais emocionante da série – e se livrar delas quando elas não conseguem lhe oferecer amor e carinho, por um momento pareceu que só a resignação das mulheres frente à maternidade compulsória seria capaz de acabar com a “maldição”. Mas não foi bem assim – observamos com alívio no último episódio. Como em outras obras do gênero horror, foi melhor deixar inexplicada a fonte do mal.
Infelizmente, O Bebê sofreu com uma escolha equivocada de horário de exibição, coisa que escapa a quem assiste à série via streaming. Na TV a cabo, a série vinha, nas noites de domingo, logo depois da magnífica terceira temporada de Barry, e em comparação com esta, empalidece e muito. Sim, são premissas diferentes, mas o choque de adrenalina que recebemos em Barry não se manteve na atração posterior, que praticamente se arrastou em alguns momentos.
Apostando no horror sobrenatural e usando de maneira estranha músicas brasileiras, O Bebê é uma produção britânica sem o típico (e hoje já mais difundido) humor britânico; criada e escrita por mulheres, numa tentativa de falar sobre maternidade sem romantização. Essa desromantização da maternidade já vem acontecendo há alguns anos, e de maneira mais contundente do que foi apresentado na série.
Sim, ser mãe pode ser aterrorizante, especialmente quando este não é o seu desejo – mas a metáfora pretendida é bem menos palpável do que se pretendia. Uma pena.
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