David Fincher está entre nossos melhores cronistas de indivíduos moralmente obscuros, como no maravilhoso Clube da Luta (Fight Club) ou em Garota Exemplar (Gone Girl), apresentando personagens atraentes e de certa forma repulsivos que transmitam longe da dicotomia do preto no branco. Como cineasta é também um mestre do thriller, assim não é de se estranhar que os cinéfilos aguardem ansiosamente seu retorno ao gênero.
“O Assassino” apresenta ainda seu reencontro com o roteirista de Se7en, Andrew Kevin Walker, vagamente adaptando a série quadrinhos de mesmo nome de Alexis “Matz” Nolent e Luc Jacamon. No filme o astro Michael Fassbender interpreta um assassino sem nome que se orgulha de sua taxa de sucesso profissional. Acampado em um escritório desocupado da WeWork em Paris, o assassino aguarda em vigilância e, com uma voz imparcial, ele reflete sobre sua ocupação ‘Eu sou o que sou.’
À medida que o sol nasce e se põe sobre a cidade, ele segue sua rotina diária: uma ioga leve; um lanche rápido; um passeio; algumas rodadas de The Smiths em seu iPod. Ele acha mais fácil passar despercebido vestindo-se como um turista alemão: “Ninguém realmente quer interagir com um turista alemão”, diz ele, “Especialmente um parisiense”. A figura anônima se apresenta entre citações, referências à cultura pop, mantras e clichês que apresentam O Assassino ao espectador.
Se a “verdadeira vontade” do protagonista é matar, ele o faz sem qualquer paixão. Obtendo a satisfação que acompanha um trabalho bem executado. Para O Assassino, suas ações são mais parecidas com respirar. Como um bom profissional ele segue um conjunto estrito de regras pré-definidas: seguir o plano; não confiar em ninguém; renunciar à empatia; antecipar, não improvisar; lutar apenas a batalha para a qual foi pago, e estas têm-lhe servido bem.
Felizmente para o espectador seu último trabalho dá errado em uma fração de segundo, ele se torna o novo alvo, e uma mulher de quem ele gosta de repente se torna um dano colateral. Talvez seja hora de quebrar as regras. Como uma engrenagem em uma máquina bem lubrificada, O Assassino era apenas um rosto na multidão, até que de repente ele deixa de ser.
Fassbender entrega um ótima atuação, não somente na apresentação do personagem e da situação, mas após ter azar e tentar repetidamente se livrar de uma nova bagunça, ao mesmo tempo em que ressalta que é um profissional, desapegado de seu trabalho antes de tudo. É fascinante que um homem que fala tanto possa dizer tão pouco, e o olhar frio e indiferente de Fassbender é adequado para trazer o espectador para a trama.
Sem dúvidas a história em quadrinhos de Matz e Jacamon tiveram muito mais espaço para contar uma história de longo alcance, que mostrava um assassino perdendo lentamente a cabeça após uma vida inteira de solidão e derramamento de sangue. Ao comprimir tudo em duas horas, o filme acaba perdendo um pouco da proposta, mostrando O Assassino buscando consertar as amarrar e pontas soltas para poder se aposentar de uma vez por todas. Não é exatamente um enredo ambicioso para um cineasta como David Fincher, mas sua genialidade deixa o filme certamente envolvente, aproveitando-se também do talento de Michael Fassbender em cativar o espectador até os créditos finais.
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