Publicado há alguns halloweens, a obra ambientada em um cemitério e protagonizada por fantasmas, bruxas, ghouls e outros seres fantásticos, saído da caneta de um contador de histórias como Neil Gaiman chegou por aqui pela editora Rocco numa edição graphic novel bastante significativa. O Livro do Cemitério (The Graveyard Book Graphic Novel Volumen 1, tradução de Ryta Vinagre) foi adaptado por P. Craig Rusell da história original do escritor inglês e conta com um grupos de ótimos ilustradores como Kevin Nowlan, Scott Hampton e Tony Harris.
A sintonia entre P. Craig Russell e Neil Gaiman já é bastante competente, levando em conta as várias colaborações que realizaram. Ambos trabalharam na mítica Sandman e retomaram a colaboração em projetos como Mistérios Divinos ou Noites sem fim onde podemos notar que o desenho estilizado de Russell encaixou direitinho com a prosa de Gaiman. Além de suas colaborações como roteirista e desenhista, Russell é um adaptador consumado de obras literárias e musicais aos quadrinhos, realizado várias adaptações de narrativas de Gaiman em que se encarrega tanto da arte quanto do roteiro. Coraline e Os caçadores de sonhos são duas obras que Russell atreveu a adaptar com um bom resultado e bastante fiel ao original de Gaiman. Com O Livro do Cemitério, Russell volta a adaptar uma novela de Gaiman, agora com o apoio de vários artistas para poder trazer esta ambiciosa adaptação em dois volumes, que a Rocco traz o primeiro tomo ao Brasil.
Numa pequena cidade inglesa, uma família é assassinada. O único sobrevivente do crime terrível é um bebê de um ano. Movido por sua infinita curiosidade, o menino escapou do berço, foi para a rua e subiu a colina engatinhando até um velho cemitério abandonado perto de sua casa. Ali é protegido pelos espíritos dos mortos, inclusive será adotado por um casal amável de fantasmas que se apiedam do garotinho, que o batizam como Ninguém. O menino cresce feliz naquele lugar, educado por seus moradores e cuidado por Silas, um personagem singular que vive na capela abandonada e só sai após o pôr do Sol. No cemitério Ninguém viverá todo tipo de aventuras, onde encontrará com todo tipo de criaturas: guardiões de tesouros ancestrais, bruxas, ghouls, lobisomens… alheio à conspiração que provocou a morte de seus pais e que ainda o ameaça.
Como responsável de adaptar o relato original de Gaiman, Russell demonstra duas coisas: ter uma grande habilidade para adaptar para a linguagem dos quadrinhos e desfrutar do trabalho do roteirista inglês. E isso reflete numa adaptação fiel ao livro original, respeitosa com a prosa de Gaiman e com uma infusão de imagens que captura toda a essência fantástica e sobrenatural que o escritor inglês colocou nas páginas de seu livro. A obra, organizada em capítulos mais ou menos independentes, em que o protagonista se aventura com o mundo que vive. O tom das histórias segue o público leitor do livro, o infanto-juvenil, primando pelo sentido da maravilha e da aventura por cima do terror, mas com algumas cenas impactantes como a morte da família de Ninguém ou as que ocorre na história de uma amiga bruxa do protagonista.
Um das coisas que chama a atenção, presente tanto na versão original como nesta adaptação, é o sabor clássico de aventuras que vive o protagonista. A diferença de outras obras destinadas ao público juvenil (os young adults, como chamam os ingleses) que buscam inserir o leitor colocando elementos do mundo atual (internet, celulares ou outras referências culturais), O Livro do Cemitério, aposta em uma ambientação que evoca o passado, situando quase toda ação em um cemitério, onde todos seus moradores viveram antes do século XIX . Este cenário e as referências que o roteirista dota o livro e a HQ oferece a oportunidade diferente de um novo olhar para o passado.
Os responsáveis de transpor à arte o que Gaiman escreveu são um grupo de artistas talentosos, capitaneados pelo próprio Russell, entre os quais se destacam alguns nomes como Kevin Nowlan, Tony Harris, Jill Thompson e Scott Hampton. Cada um é responsável por um capítulo, em seu estilo, mas conseguindo algo raro neste tipo de obras, a homogeneidade com o resultado final. Cada ilustrador realiza um trabalho notável e perfeitamente reconhecível, mas notável sem estridências entre eles, dando ao conjunto uma considerável solidez. Parte do mérito está no trabalho de cores de Lovern Kindzierski, que ajuda em muito os artistas pelo tratamento visual agradável. Entre todos, destaco o excelente trabalho de Kevin Nowlan no primeiro episódio da narrativa gráfica.
Enfim, estamos perante uma obra de Neil Gaiman que demonstra ser um dos melhores escritores da atualidade em manejar a fantasia como tal e que está perfeitamente adaptado ao estilo das narrativas gráficas com este volume. Aguardamos o segundo volume, no qual desfrutaremos mais da história e descobriremos mais sobre o destino de Ninguém e seu amigos do outro mundo.
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