Peça "O corpo da mulher como campo de batalha" debate a violência contra a mulher – Ambrosia

Peça “O corpo da mulher como campo de batalha” debate a violência contra a mulher

    No dia 25 de maio, uma menina de 16 anos foi estuprada por 33 homens na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Completando o quadro grotesco, a violência ganhou uma repercussão perversa na internet, com divulgação de vídeos do acontecimento e posts que faziam troça do episódio. No dia 26 de maio, o assunto já causava indignação nas redes sociais, com a mobilização pelo fim da cultura do estupro. Junto à indignação, havia também que relativizasse o acontecido e buscasse a culpa (ou parte dela) na própria vítima. Foi exatamente nesse contexto de perplexidade e acirramento dos debates que o espetáculo O corpo da mulher como campo de batalha, com direção de Fernando Philbert e texto de Matéi Visniec, teve sua estreia no Sesc Copacabana, se inserindo no projeto Mulheres em Cena: Corpo e Violência, que conta com uma extensa programação cujo objetivo é dar visibilidade à discussão sobre a violência contra a mulher, através de filmes, instalações, peças teatrais e outros.

    Ester Jablonski e Fernanda Nobre vivem, respectivamente, uma psicóloga e uma moça que, durante o conflito bósnio, foi estuprada por cinco homens e agora se encontra numa espécie de centro de reabilitação para vítimas de crimes de guerras. O texto, que teve tradução de Alexandre David, é uma denúncia importante da violência contra a mulher, cujo corpo, em contextos de guerra, serve como instrumento para demonstração de força, poder e dominação do inimigo. Como a personagem de Ester Jablonski aponta, a guerra não se faz apenas através de bombardeios de espaços, terrenos e instituições do inimigo. Como se isso fosse pouco, a guerra também se faz através do corpo da mulher, de sua dignidade e de sua integridade. Através dele, atinge-se o âmago do inimigo que se quer derrubar.

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    O texto delineia fortes imagens sobre a violência sofrida por Dora e as suas consequências devastadoras. A direção de movimento, assinada por Marina Salomon, é fundamental para permitir que as imagens veiculadas pela palavra sejam traduzidas nos movimentos corporais da personagem violentada, para que sejam de fato incorporadas, no sentido pleno do termo, encarnando a concretude extremamente dolorosa que lhe é inerente. Fernanda Nobre realiza bem a proposta de oferecer sua corporalidade à vivência do espetáculo: ao se contorcer, ao esmurrar a própria barriga, ao escancarar a boca como se lançasse um brado sem som, a atriz consegue estabelecer uma aproximação ainda mais empática entre a dor de sua personagem e a plateia.

    A relação terapêutica entre Kate, a psicóloga americana, e Dora, é outro aspecto interessante na dramaturgia de Matei. Talvez não seja possível estabelecer comparações, mas Kate também sofre a violência de fazer parte desse contexto de guerra. Ela vai tentando criar, tenazmente, uma ponte que a una à Dora. Mas a mudez e o isolamento de Dora parecem, a princípio, barreiras intransponíveis. Ester Jablonski consegue derramar em sua Kate a angústia vivida pela protagonista. Ela trabalha em campos de guerra, auxiliando equipes de escavadores de valas comuns, e sua função é dar suporte emocional aos colegas dedicados à tarefa.

    Agora, no encontro com Dora e deslocada do campo das valas comuns, Kate está vivendo a proximidade com a violência de modo singular e talvez insuportável. Não foi ela que sofreu o dilaceramento do estupro coletivo no próprio corpo, mas não pode deixar de sofrer os efeitos desse ato abjeto. E essa é uma denúncia importante do espetáculo: ninguém está livre dos desdobramentos da violência que atinge a mulher, seus efeitos reverberam não apenas através dos que a sofrem diretamente, mas transbordam e alcançam os que estão próximos, os que presenciam a violência, os que escutam os relatos, os que sabem dos acontecimentos, os que têm alguma função de auxílio. Todos são afetados, de uma forma ou de outra.

    Assim como no caso da menina carioca estuprada na semana de estreia do espetáculo, todos são afetados pelo horror vivido pela adolescente, embora o trauma seja só dela. Infelizmente, não poderia haver momento mais oportuno para a peça de Matei Visniec, cuja função política de escancarar esse horror e expressá-lo através da experiência artística e dramatúrgica é ainda mais relevante.

    Ficha Técnica

    Texto: Matei Visniec
    Tradução: Alexandre David
    Direção: Fernando Philbert
    Elenco: Ester Jablonski, Fernanda Nobre
    Iluminação: Vilmar Olos
    Cenário e Figurino: Natália Lana
    Trilha / Música Original: Tato Taborda
    Direção de Movimento: Marina Salomon
    Direção de Produção: Sergio Canizio
    Realização: Jablonsky Produções Artísticas Ltda
    Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
    Coordenação dos debates: Adriana Novis Leite Pinto

    Serviço

    O CORPO DA MULHER COMO CAMPO DE BATALHA
    Temporada: 26 de maio a 19 de junho
    Horários: Quintas aos sábados, às 19h e domingos, às 18h
    Local: Sesc Copacabana / Sala Multiuso – Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana – Rio de Janeiro/RJ
    www.sescrio.org.br – Tel.: 21 2547 0156
    Valor Ingresso: R$20,00 (inteira), R$10,00 (meia-entrada), R$5,00 (associados SESC)
    Bilheteria: Terça a domingo a partir das 15h às 19h. Vendas antecipadas no local. 
    Duração: 70 minutos
    Classificação: 14 anos
    Gênero: Drama

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