Em Shaker Heights, uma cidadezinha tranquila e próspera nos EUA, tudo é planejado, desde o traçado das estradas, a cor das casas, até o sucesso da vida futura de seus vizinhos. Elena Richardson encarna esse espírito com vigor, toda sua vida é regida por um princípio fundamental: jogar sempre dentro das regras sociais.
Quando Mía Warren chega a esta bolha idílica com sua filha adolescente, começa a história que os colocará em dois extremos dramaticamente opostos.
A autora, a norte-americana Celeste Ng, descendente de chineses, conseguiu moldar suas narrativas com uma trama psicológica com temas difíceis, se movendo com surpreendente precisão e sutileza entre as dobras superficiais dos EUA para mergulhar em feridas que se recusam a fechar.
Foi assim com o primeiro romance, Tudo o que Nunca Contei, onde fala sobre o fardo que as expectativas da família representam e da necessidade de pertencimento.
Com o seu segundo título, Pequenos Incêndios Por Toda Parte (Little Fires Everywhere), explora o peso dos segredos, a natureza da arte e o perigo de acreditar que simplesmente seguir as regras vai evitar todos os desastres.
Análise
Já pensaram em chegar numa cidade totalmente perfeita? Tendo uma ótima casa, oportunidades diversas, boas escolas, empregos bem remunerados. Você se encaixaria, talvez, mas a que custo?Pode ser alto e é o que Mia irá passar no romance que analisaremos.
A cidade idílica é mostrada, juntamente com os dois núcleos de personagens até quase a metade do livro. Nessa parte conhecemos os Richardson e Mia, uma artista e mãe solteira que aluga a casa da família. As novas inquilinas se tornam mais do que isso e os filhos dos Richardson são atraídos pela maneira diferente e sedutora da dupla. Além disso, Mia não aceita regras e esse desrespeito ameaça mudar a comunidade cuidadosa e ordeira..
Outro foco da narrativa é a adolescência e o caráter rebelde que a idade implica. Locais perfeitos, planejados e ordenados, baseiam-se também na formação de seus residentes. Assim como as escolas devem deixar as crianças mais administráveis, locais como Shaker Heights foram concebidos para isolar seus residentes da agitação das cidades. E se os adolescentes fosse apresentados a um novo olhar?
Com esses pontos e outros que não devem ser comentados aqui, Celeste desenvolve um romance que dá a sensação de manter um foco de intriga para o leitor. Desperta o interesse sobre segredos de família e diferenças intersociais ou raciais, mas o que realmente ganha força neste livro é a maternidade. Adoção, maternidade, gravidez, amor … tornam-se algo recorrente no segundo romance da autora.
Pequenos Incêndios Por Toda Parte é bem construído. Há elementos do livro de estreia da autora, como as tensões latentes, administrando um grande elenco de personagens, múltiplos pontos de vista e os pontos abordados com bastante propriedade.
Ng abre sua narrativa, como em Tudo o que Nunca Contei, com uma tragédia que se abaterá sobre os personagens, no caso um incêndio em uma casa e as questões levantadas, quem o provocou e por quê? E através das respostas, Ng retoma ao passado dos personagens envolvidos para narrar uma experiência de leitura envolvente e comovente. Deixa alguns pontos em aberto, que pode não agradar alguns leitores, como a previsibilidade de alguns relacionamentos e clichês.
No geral, entre os temas abordados, Pequenos Incêndios Por Toda Parte é uma leitura agradável, sobre uma cidade que pensa que não julga e, ainda assim, está julgando. Mostrando um cenário que nos faz refletir sobre os limites de nossas próprias visões e considerar as teias de conexão, conflito, privilégio e exclusão que nós, também, criamos.
Recomendo a leitura.
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