O poder de síntese é a estrada dos grandes poetas. Enquanto na prosa o autor terá páginas e páginas, enlaces e tragédias para desenvolver a trama, o poeta não dispõe da mesma complacência do leitor. Os bons escritores do gênero são sintéticos; cada palavra um diamante dilapidado pela experiência lírica e vocabular. Assim são os poemas do jornalista Christovam de Chevalier em “No escuro da noite em claro” (7Letras, 2016), livro que prima pela expressividade e lirismo alcançado por, em maioria, versos curtos, bem trabalhados e com alta carga dramática e reflexiva.
O livro é compostos de cinco partes, ou altares: ‘Altar de Orfeu’, ‘Altar de Kronos’, ‘Altar de Nix’, ‘Altar de Eros’, ‘Altar de Proteu’ e ‘Altar de Tânatos’. Sobre cada um dos altares, Christovam de Chevalier deita os poemas-oferenda para também nós, leitores, nos deleitarmos.
‘Altar de Orfeu’ é metalinguístico, dedicado à Poesia. O autor utiliza versos curtos e em maioria rimados na investigação do surgimento do impulso poético. Logo no início, Christovam deixa explícito ao leitor que cada poema é, antes de tudo, uma aventura extraterrestre ao poeta. Estes são os versos de “O poema”: “Escrevê-lo / é perder o fôlego / expirar o fígado / perder qualquer elo / entre terra e céus”.
O segundo altar é dedicado a Kronos, o deus grego do Tempo. Não por acaso, os versos desse grupo tratam de perdas, envelhecimento, e, estruturalmente falando, o poeta brinca com o concretismo na organização visual de alguns versos. Aqui a síntese também é metáfora da passagem acelerada do tempo, como em “Cantábile”, (dedicado a Alexandre Silpert): “Esta voz aguda é minha. / Traz calos do tempo / prata e pranto / nada e tanto / vibrar é seu intento./”
Nix é a personificação da noite, e o que seria dos poetas sem a noite? Nesse grupo, Christovam rende poemas à Lua, solidão, e ao amor ainda não consumado. A Lua aparece transfigurada como auxiliadora ou guia do poeta assim como Virgílio conduziu Dante do Inferno ao Paraíso. O raro soneto, “Soneto à lua de janeiro” (dedicado à Elisa Lucinda), explicita a relação: “Lua, dor crescente / meu amor ausente / cio por bramir. / Lua severa / alada quimera / sê meu elixir!”.
O próximo altar pertence ao Amor, Eros. Os poemas destes grupo lidam com o amor ideal, e, logo no primeiro deles, “Anunciação”, uma pergunta surpreendente nos retumba: “Será a paixão efêmera ou efeméride?”. O jogo de palavras, outra marca dos poemas de Christovam, com os significados que carregam criam um significação geral que sublima o lírico. Aliás, destaco também o excelente “Érastes e Erômenos”, que consegue, em poucos versos, inundar o pensamento: “Descalçados os coturnos/ percorro, amor, teus contornos.” A aliteração do “R” com a rima rica “coturnos-contornos” é outro exemplo de como sinteticamente o poeta ganha por nocaute o leitor.
O penúltimo altar é dedicado a Proteu, profeta com dom da transformação. Os versos desse grupo tratam de eternidade, mas também do fim do amor. Interessante que Christovam beira o ultrarromantismo ao tratar o fim da relação amorosa como impulso lírico para um novo poema. Assim ele escreve em “Elegia”: “O amor acaba / e o poema nasce / Feito mar de ressaca / onde luto para não afogar”.
Perto do fim do livro, encontramos os versos do altar de Tânatos, o deus da morte. Neste íntimo grupo, o poeta presta homenagem à mãe Scarlet Moon e outros finados familiares. Há também uma homenagem belíssima a João Cabral de Melo Neto no poema “Réquiem ao velho poeta”.
Por fim, ultrapassado os altares de tão variadas divindades, fica o sabor lírico refinado dos versos de Christovam de Chevalier. Em “No escuro da noite em claro”, os poemas prestam serviço à função declamatória da poesia, servido para leituras em público ou em ambiente reservado. Os versos também são pródigos em despertar ao novo leitor mais interesse pelo gênero bem como satisfazer os apreciadores mais exigentes. Leitura mais do que recomendada.
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