Profunda e surpreendente, "Boneca Russa" é uma pequena grande série

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Um time só de mulheres entregou a primeira obra-prima da Netflix em 2019: a série de comédia existencialista Boneca Russa, ou Russian Doll, no original. Existencialista porque, assim como The Good Place, trata de temas como morte, destino e ser uma pessoa melhor. Além deles, a série também traz teorias de física quântica, multiversos, linhas do tempo paralelas e muito, muito humor negro.
É aniversário de Nadia (Natasha Lyonne) e a melhor amiga dela, Maxine (Greta Lee), está lhe dando uma grande festa em seu próprio apartamento. Instável, fumante inveterada e ocasional usuária de drogas, Nadia está nervosa com o aniversário de 36 anos, pois a data significa que ela oficialmente viveu mais do que a mãe, que se suicidou quando Nadia era criança.
Nadia bebe e transa com um cara, Mike (Jeremy Bobb), amigo de Maxine, antes de sair da festa, perambular pela vizinhança, procurar Aveia, seu gato desaparecido, conhecer um mendigo, ser atropelada e morrer. Um segundo se passa, e Nadia está de volta ao banheiro do apartamento de Maxine, na sua festa de aniversário, de onde novamente sai e novamente morre… e mais uma vez volta ao banheiro. E de novo. E de novo.

Você deve estar pensando que já viu essa história. Talvez sim. Mas com certeza não. Boneca Russa tem a mesma premissa de filmes como O Feitiço do Tempo, de 1993, e A Morte Te Dá Parabéns, de 2017. Em Boneca Russa, entretanto, a saída é diferente – única, intelectual, original, peculiar. Não faltam adjetivos para qualificar a explicação para o fenômeno que Nadia vive e, ao mesmo tempo, somem os substantivos para explicar este mesmo fenômeno em poucas linhas.
O de morte e retorno começa a incomodar Nadia. Ela tenta investigar o que está acontecendo, tenta mudar o futuro e ajudar as pessoas ao seu redor, mas nada parece fazer sentido. Até que ela conhece, em um elevador prestes a despencar, Alan (Charlie Barnett), que também está vivendo o mesmo dia de novo e de novo depois de morrer várias vezes – o pior dia da vida dele, em que ela pede a namorada em casamento e descobre que ela a está traindo com Mike, o cara da festa no apartamento de Maxine. Juntos, Nadia e Alan terão de desvendar o mistério que os uniu e que os está prendendo a este infernal ciclo.
Boneca Russa foi uma ideia desenvolvida pela protagonista Natasha Lyonne junto com a brilhante comediante Amy Poehler e a diretora, produtora e roteirista Leslye Headland, que dirigiu episódios de séries como Heathers e SMILF. Ademais, Leslye dirigiu quatro dos oito episódios da série, Natasha dirigiu um, e Jamie Babbit, diretora do clássico Nunca Fui Santa, de 1999, dirigiu os outros três. Todos os episódios foram escritos por mulheres.


Graças a esse time feminino, Natasha Lyonne tem em Nadia provavelmente seu melhor papel. Nadia é uma mulher verdadeira, longe de ser perfeita, e tem no organizado Alan um contraponto perfeito. Ela e Alan são como yin e yang, opostos mas complementares, e foi preciso que tivessem dentro de si um pouco um do outro – como no milenar símbolo chinês – para que se libertassem. Aliás, o único defeito da série é não introduzir Alan mais cedo na narrativa.
A libertação de Nadia e Alan não veio com sutileza nem de maneira fácil. Veio de um jeito complexo – tão complexo que é até complexo se referir a ele sem dar spoilers – e extremamente poético. Que mais dizer? Veja Boneca Russa, mesmo que às vezes você sinta que não está entendendo nada – assim como na vida, uma hora tudo fará sentido. Veja Boneca Russa, mesmo que em um momento a comédia pareça ter dado local para o drama pesado ou o puro filme de terror – porque a vida é uma mistura de gêneros. Vá e veja Boneca Russa. Porque Gotta get up, gotta get out, gotta get home before the morning comes…

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