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Quando a pele é palavra e aguça

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Pouca Pele é dos livros que gosto de ler. Explico. Chegou de surpresa. Não era o elemento principal entre as obras que recebi. Embora tenha o autor como contato em minhas redes sociais, não foi ele a enviar o trabalho ou sequer eu conhecia profundamente a sua literatura. Foi, portanto, descoberta. Iniciado um livro, não interrompo. Nunca. E livro recebido deve ser livro lido e resenhado – regra que me imponho como elemento de respeito a quem me acompanha. Ao puxar Pouca Pele da pilha para leituras a sensação foi de encantamento pelo seu resultado gráfico. O simbolismo da capa só não é mais impactante que as páginas internas, com literal textura de pele impressa no papel, resultado do talento do designer Bruno Brum, (ainda) não o melhor capista e artista gráfico brasileiro, mas um dos mais criativos e talentosos.
A coleção de contos de Fernando fala sobre a pele e suas nuances, o tocar ou ser tocado e a percepção de realidade que as pessoas comuns têm a partir da sensação de fazerem parte de algo (de uma relação, família, grupo social) na observação da existência a partir da pele. O bom dos contos é que falam exatamente sobre isso: pessoas comuns. Gente que encontramos ao cruzar avenidas e semáforos, nos elevadores, cuidando de maridos doentes (como no delicado conto Ainda estou aqui) mas com desejos vivos e necessários. A maior parte dos relatos traz a pele como condutor de desejos e ações, muitas vezes em amores desastrosos ou relações abusivas.
Incorporando vozes femininas o autor atinge o ápice. Tem rara habilidade em transitar por situações delicadas como a violência sexual ocorrida entre primos ou na escola. Sou dos que acham que “lugar de fala” em se tratando de literatura é bom senso e qualidade e Fernando Rocha tem isso.
São pouco mais de vinte contos curtos, menos de cem páginas. Garantia de leitura fluída e agradável em literatura de qualidade.


Editado em 2.018 pela Alink Editora, Pouca Pele pode ser adquirido no site da casa editorial ou com o autor. Fernando Rocha, nascido em São Paulo em 1981, é graduado em Letras, já publicou nas principais revistas literárias do Brasil. Em livro, lançou anteriormente, Sujeito sem verbo (Confraria do Vento), Os laços da fita (Penalux). Afetos (Penalux) e Descontos de Fadas (Alink).
 
Trecho do conto ‘Ainda estou aqui’:
“Alguém que se foi, mas permanece aqui como um holograma: deitado na cama, de onde não pode mais se levantar, da boca apenas saem sons que nao são palavras; a fralda é agora seu banheiro, não sente mais vergonha dos excrementos, não sente mais o controle do próprio corpo. É um refém sem algoz… talvez a má sorte, que ele sempre ignorou, tenha decidido lhe encontrar.
O homem forte, trabalhador, aquele por quem meus olhos e meu corpo se encantaram, não existe mais, está acamado há quatro anos, sequela de um a.v.c. Tenho cuidado dele do jeito que posso, nossa filha me ajuda aos finais de semana. Ainda estou aqui, tenho querer, sinto o meu corpo pulsar.
Ontem a menina veio. Menina? É uma mulher de 20 anos, mas aos olhos da gente é sempre uma criança! Tomei um banho mais longo, senti cada gota de água percorrer minha pele, um tempo comigo desperdiçado numa caminhada ao sabor do vento.
Parei na padaria onde ficava com os colegas de faculdade, nenhum deles estava lá. Ao contrário de mim, concluíram o curso de direito, são doutores e doutoras, ocupados com as burocracias da vida de um advogado.
Sentei-me ao balcão porque as mesas são destinadas aos que têm companhia. Através dos lanches, vi dois homens que conversavam e bebiam suas cervejas, um tinha um sorriso encantador, eu queria, mas não conseguia parar de olhar, ele devia ter dez anos a menos que eu”

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