AcervoCríticasDançaTeatro

"Romeu e Julieta" e a força da obra de Marisa Monte

Compartilhe
Compartilhe

A ideia de unir a história romântica mais clássica de todos os tempos com o cancioneiro melódico emocional de Marisa Monte é realmente muito boa e resulta no novo musical da Aventura Entretenimento, Romeu e Julieta. A trama de Shakespeare, escrita no século XVI, encontra uma adaptação um tanto irregular de Guilherme Leme Garcia, em cima do texto de Gustavo Gasparini e Eduardo Rieche. Mas ainda assim, numa abordagem correta em muitos pontos.
Ao se valer das canções de Marisa para permear a história, numa sacada brilhante, já que a forma desmedida da cantora cantar o amor casa perfeitamente com o romantismo ingênuo, e, até por isso, intenso com que Shakespeare trabalhava sua dramaturgia, o musical ao mesmo tempo em que ganha potência quase natural em suas cenas, também – por mais vezes do que deveria – não consegue alcançar a dimensão cênica do que é cantado. Um grande vacilo de Leme está justamente num certo desleixo cênico diante do que estimula dramaticamente.

Nas cenas do baile, onde o casal se conhece, mesmo buscando modernizar a situação, em contraste com o melodrama da ação em si, toda a situação (em especial uma espécie de pout-porri de grandes músicas da cantora) é mostrada sem muito capricho cênico ou coreográfico, com marcações que pouco valorizam a representação do encontro. Numa determinada hora, Julieta fica jogada na cena sem qualquer destaque diante de sua importância no momento.
Canções fortes e que poderiam contextualizar objetivamente momentos importantes como “Noturna”, “O Que Você Quer Saber de Verdade” e “Não Vá Embora” são banalizadas e desperdiçadas na narrativa. Mas o musical tem seus pontos fortes como o figurino excepcional de João Pimenta, que praticamente adensa o antagonismo da trama. As soluções de figurino são inteligentes e de um bom gosto lindo de ver. Assim como a cenografia de Daniela Thomas, sóbria e funcional.
Outro ponto forte é a direção vocal de Jules Vandystadt que impressiona pelo sinuoso trabalho uníssono e até erudito com que apresenta as performances dos atores. Bárbara Sut é uma Julieta na medida, numa interpretação vocal muito similar ao de Marisa. O Romeu de Thiago Machado tem presença e voz harmoniosa. O elenco como um todo funciona bem (com óbvio destaque para Ícaro Silva e a extensão vocal firme de Cláudio Galvan).

LINS8625 – RJ – 27/02/2018 – ROMEU E JULIETA / ENSAIO GERAL – CADERNO2 OE – Ensaio geral do musical Romeu e Julieta, com Thiago Machado, Bárbara Sut e Ícaro Silva, no Teatro Riachuelo no centro do Rio de Janeiro. Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO


E em pelo menos uma cena, o diretor demonstra domínio cênico e dos predicados que tem em mãos: a cena do casamento, ao som de “Vilarejo”, num arranjo medieval, é uma das cenas mais lindas que já vi no teatro. Para além da mise em scene, Romeu e Julieta por vezes parece não aprofundar muito o emocional de seus personagens, o que o deixa as relações um tanto superficiais, ou abruptas, entretanto, quando Leme tira o foco da palavra, ainda que de maneira muitas vezes protocolar, o musical encorpa.
O resultado é uma produção que se escora mais do que deveria nas músicas de Marisa Monte, e às vezes parece não saber desenvolver, nem dissociar isso. Como se só a força da música resolveria. Mas é também um musical que fala de amor de maneira desmedida e essa urgência é de alguma maneira, bem ilustrada. E cantada. Romeu e Julieta no fim, é o que sobra da força das músicas da cantora. Bem e mal teatralizada.

Compartilhe

Comente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sugeridos
AstrosCríticasMúsica

“Angel of the Morning”: Uma Canção Atemporal

Há músicas que transcendem o tempo, atravessando décadas e gerações com uma...

AgendaTeatro

Aqui Tem Vida Demais! reestreia no Sesc Vila Mariana

Com texto de Bruno Canabarro e direção de Rodolfo Amorim, o espetáculo...

CríticasFilmesLançamentos

“Máquina do Tempo” muda o rumo da História com narrativa ousada

Se você gosta de História tanto quanto eu, já deve ter se...

AgendaTeatro

“Pedra Rubra Chama” promove espetáculos com foco no feminino

De 08 a 16 de março de 2025, com entrada gratuita, o...

AgendaInfantilTeatro

Novo espetáculo para bebês no Teatro B32

O encontro do mar com o rio, que forma ondas enormes em...

CríticasFilmes

Ad Vitam: filme traz intrigas e conspirações emaranhadas

Depois de escapar de uma tentativa de assassinato, Franck Lazareff precisa encontrar...

AgendaTeatro

Levante faz novas apresentações em São Paulo

Vencedor da 8ª Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do Centro...