Todos nós, quando crianças, transformamos um espaço ou objetos impessoais sem valor aparente em um refúgio onde nossa imaginação era a única que marcava os limites das experiências e nos separava do mundo, do sofrimento ou, simplesmente, do tédio.
Ficar debaixo de uma cama era como entrar em uma caverna; uma caixa de papelão seria um esconderijo; qualquer lugar que quiséssemos era nossa casa… estávamos criando o nosso mundo com nossas regras. E era bom, com certeza, quem estiver lendo, a nostalgia das lembranças estão percorrendo sua mente.
O mangaká Taiyo Matsumoto aborda em Sunny (Shōgakukan) esse aspecto imaginativo infantil, com seus personagens, embora para eles o querer não seja suficiente, por ainda serem crianças (com as consequentes limitações físicas e sociais), criaram cada um e juntos um universo tão pessoal e íntimo que vale a pena explorar.
O mangá Sunny foi publicado no Japão entre 2010 e 2015 inicialmente na revista Ikki e posteriormente na Gekkan Spirits!, sendo concluído em um total de 6 volumes. A Devir está publicando os volumes, pelo selo Tsuru, sendo este o primeiro volume de três.
O refúgio dos garotos do orfanato hoshinoko
A história se passa em um orfanato e conta a história do grupo de crianças que moram ali, crianças abandonadas ou forçadas pelas circunstâncias a morar naquele local, e sua relação especial com um carro velho, o Sunny 1200, localizado no jardim do refúgio (um pensa que o carro se move por telecinesia, outro fantasia com perseguições e tiros, outro sendo um taxista, outro guarda ali suas revistas eróticas e outros fazem do carro velho uma base onde adultos não podem entrar).
As crianças
São doze capítulos que apresenta cada criança, marcada por um personagem e um passado, vivendo com os poucos adultos que cuidam dela. Temos Junsuke, um menino de cabelos desgrenhados, que é o mais expressivo e alegre, que gosta tanto de tocar gaita quanto de fazer peças; e seu irmão caçula, Shōsuke que se dedica a conhecer o mundo enquanto brinca junto a Tarō, um rapaz gordo, introvertido, mas que adora cantar.
No abrigo também encontramos Haruo, um menino rebelde de cabelos brancos que normalmente está fantasiando dentro do Sunny e se metendo em brigas; Kenji, um adolescente que trabalha e estuda; as meninas Megumu e Kiiko, a primeira, garota sensível e a segunda, escandalosa e chorona. Foi assim que Sei Yamashita chega na casa, um menino quieto, inteligente e de óculos, que sempre usa boné, desconfortável e triste por está ali.
Uma casa cheia de dramas e problemas, mas isso não quer dizer que tenha má convivência, já que todos os seus membros se consideram família.
Análise
Matsumoto conseguiu com este mangá um marco importante, dar uma voz e uma psicologia profunda a cada um de seus personagens, definindo tanto suas motivações como suas tristezas, bem como suas interações. Ele tem conseguido dar um tom crível às crianças e adolescentes, mostrando que eles e os adultos não vivem no mesmo mundo, pois priorizam coisas diferentes. De narrativa pausada, esta obra pertence ao gênero slice of life, carregada de emoção. Cada capítulo, exceto o primeiro, que é uma apresentação, conta com um dos personagens mencionados. Seu estilo de desenho, tão peculiar e distante dos cânones da manga, serviu-lhe para obter com esta obra o reconhecimento da crítica estrangeira.
Sunny foi nomeada no Festival Internacional de Angoulême e ao Harvey, e ganhou o Cartoonist Studio Prize como melhor narrativa gráfica. Matsumoto (Tekkon Kinkreet) faz um trabalho autobiográfico, e fortalece mais uma vez seu nome como um mangaká inclassificável, versátil e virtuoso, que combina elementos tradicionais com passagens poéticas para formar um retrato emocional da infância.
E se a narrativa é daquelas que te fisga sem a necessidade de grandes reviravoltas, com uma história cativante e emocionante, outro incentivo está no desenho. Matsumoto é um criador muito particular e tem um estilo próprio, claro e identificável, parcialmente baseado no estilo europeu e altamente influenciado por grandes autores como Miguelanxo Prado, Moebius ou Enki Bilal, mas adaptado à sua forma. Um desenho tradicional, mas dentro do estilo do autor, é ampliado nos momentos em que as crianças entram no carro, criando um mundo de sonho muito detalhado e espetacular. Não surpreendentemente, o autor recebeu inúmeras críticas positivas por seu estilo e o tornou um dos autores de referência para mangás não convencionais da atualidade.
Por este motivo recomendamos que leia este primeiro volume de ‘Sunny’, para conhecer um manga que vale a pena ler se gosta de seinen e de um pedaço de histórias de vida. Uma obra parcialmente autobiográfica que mais uma vez mostra o talento de Taiyo Matsumoto.
Nota: Ótimo – 3.5 de 5 estrelas
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