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"Tekkon Kinkreet", um conto corajoso sobre violência e humanidade

Certamente se perguntarmos a qualquer pessoa que conheça mangás sobre Taiyo Matsumoto, a resposta será “não conheço”. Em certa parte é lógico, já que é um mangaká com pouca cobertura da mídia, que se dissociou completamente dos padrões que atualmente prevalecem nos quadrinhos japoneses. Além disso, seu estilo de desenho não apenas se destaca do estilo japonês típico, fugindo do mainstream conhecido, mas por ter desenvolvido um estilo completamente único no que diz respeito ao mangá. Poucas obras suas foram traduzidas ao Ocidente. Por aqui, saiu apenas o icônico Black & White, (Preto e Branco) que fora publicado pela Conrad no estilo ocidental de leitura. A editora Devir relançou a obra com história completa, no selo Tsuru, com o título original, Tekkon Kinkreet, em volume único, acabamento caprichado, em 620 páginas, capa brochura e sobrecapa.

Publicada originalmente entre 1993 e 1994 na revista Big Comic Spirit, da Shogakukan, Tekkon Kinkreet venceu o Prêmio Eisner de Melhor Edição Internacional – Japão em 2008. Foi adaptada em um longa-metragem premiado, dirigido por Michael Arias, premiado pela Academia do Japão como a “Animação do ano”, além de vencer nas categorias de “Melhor História Original” e “Melhor Direção de Arte” na Tokyo International Anime Fair.
Tekkon Kinkreet se ambienta numa cidade de “ferro” e “concreto”, ou seja, o significado em japonês para concreto armado. Mais precisamente Tōkyō/Tóquio, no bairro de Takara-chô, onde a violência nas ruas e as máfias estão na ordem do dia. Desde o início, somos apresentados a Kuro (o preto) e Shiro (o branco), dois órfãos de cerca de 10-13 anos, supomos, uma vez que a idade deles não é especificada – e que serão os protagonistas da narrativa.
Essas crianças, conhecidas em todo o bairro, sobrevivem roubando, lutando e se escondendo num mundo sombrio, solitário e corrupto, onde a própria cidade os afaga ou os despreza, como se fosse um ser vivo. Os dois garotos sentem uma atração especial pela violência, exercitando-a como um modo de vida. Esse perfil peculiar não se mistura apenas com as altas esferas do Takara-chô, mas em certos casos são capazes de enfrentá-las e detê-las, pois amam seu bairro e não permitem que nada ou ninguém tente mudá-lo. Sob essa premissa Matsumoto apresenta seus personagens, além do verdadeiro espírito do Takara-chô e como está se transformando. Em especial após a chegada de estrangeiros que aliados à máfia local, que mudará o jogo para com os dois garotos.

Em Tekkon Kinkreet, o autor joga com alguns conceitos de tal forma que não há alternativa senão rotular este trabalho sob um aspecto psicológico. O mais evidente dos casos é a personalidade de Shiro e Kuro, a quem o autor confere as qualidades que nós, leitores, atribuiríamos a ambas as cores.
Shiro, o mais novo, é mais inocente com um mundo para descobrir. Como nunca foi à escola, não sabe ler nem escrever, e mal consegue contar até dez. Sua inocência colide brutalmente com o que ocorre em Takara-chô e, graças a isso, torna-se um personagem empático. Já Kuro, pelo contrário, possui uma personalidade mais adulta. Sente a necessidade de protege Shiro dos perigos do bairro, e com o passar do tempo, se tornou mais duro, chegando a não sentir mais remorso quando usa de violência quando necessário. Está mais relacionado com a máfia e a polícia do Takara-chô, age atrás das costas de Shiro, rouba e age sempre com base na lei do mais forte. Apesar de todas essas diferenças entre eles, não podem viver separados.
Cada um é o complemento do outro. Não há dúvida de que Taiyou Matsumoto usou da filosofia chinesa do Yin e Yang para esses dois personagens. A carga psicológica é crescente ao avançar das páginas de Tekkon Kinkreet, sendo notável o clímax importante no final.

Outro aspecto sobre o que podemos comentar é a arte, um dos pontos mais importantes do trabalho. O autor, como já foi dito, se distingue dos padrões japoneses e desenvolveu um estilo muito peculiar, com uma linguagem visual e grafismo espetacular.  Matsumoto teria viajado para a França para uma pesquisa artística, e foi as BDs francesas que influenciaram a desenvolver esse mangá.
Os desenhos possuem uma perspectiva diferente, experimental, mantendo um traço coerente mas com recursos visuais inovadores, linguagem cinematográfica, traços grossos e sinuosos, numa composição única, bem detalhista. Em relação aos personagens, o design, particularmente dos dois garotos, mantém um equilíbrio entre o simbolismo e a moda de rua, mas simples e bem diferentes daqueles cabelos espetados e olhões que encontramos em outros mangás. Os uniformes dos membros das gangues locais evocam simultaneamente quadrinhos de ficção científica, punk e esp, enquanto a máfia é imbuída de sinistra austeridade.
Pelos detalhes da arte é um verdadeiro exercício de investigação averiguar cada uma das páginas, pelo tom surrealista, pois tudo que foi desenhado é alongado, distorcido, modificado, substituído constantemente. Um trabalho underground que, ao meu ver, poderia ter saído como o original, colorido, não P&B.
Tekkon Kinkreet se apresenta como um trabalho muito peculiar, tanto no roteiro quanto na arte, mas sem dúvida irá encantar os leitores mais exigentes, por ser uma leitura complexa, divertida e significativa. Um conto corajoso sobre amor fraternal, amizade e mudança. Pessoalmente, comecei a me interessar em Taiyou Matsumoto e em seu trabalho como um todo. Esperamos ver mais de seus trabalhos publicados aqui.

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