Não é raro vermos notícias sobre brigas de trânsito que se agravam rapidamente, causando tragédias. A minissérie da Netflix “Treta” parte justamente de um desentendimento no trânsito para criar situações que mudam drasticamente a vida dos envolvidos.
Amy Lau (Ali Wong) é dona da loja de plantas Kōyōhaus, mas deseja vender seu empreendimento para a excêntrica milionária Jordana Forster (Maria Bello). Ela é casada com um artista, George (Joseph Lee), e mãe de uma garotinha.
Danny Cho (Steven Yeun) se define como empreiteiro, mas na verdade é um faz-tudo que só quer dinheiro suficiente para viver e recompensar seus pais após a perda do motel da família. Ele vive com o irmão mais novo, Paul (Young Mazino).
Um desentendimento que começa num estacionamento e se desdobra pelas ruas da cidade é o que une Amy e Danny e cria uma treta que os levará a consequências inimagináveis. São tantos conflitos e reviravoltas que é um desafio escrever sobre o desenvolvimento da série sem dar spoilers.
A verdade é que o casamento de Amy está em crise. Ao mesmo tempo em que aceita fazer terapia de casal, ela se torna obcecado com a briga de trânsito, e decide fazer um perfil falso no Instagram para conversar com Paul. Concomitantemente, Danny se aproxima do marido de Amy sob uma nova identidade, chegando a ser chamado para frequentar a casa do casal, onde terá início outro embate.
O oitavo episódio em especial merece ser destacado, com os flashbacks de Amy e Danny na infância, adolescência e como jovens adultos. O recurso ajuda a criar background – ou seja, uma história pregressa -para os personagens e também paralelos entre estes rivais tão semelhantes.
“Treta” chegou à Netflix em abril de 2023, mas foi apenas após fazer a limpa na categoria de minissérie no Globo de Ouro e no Emmy que ela chamou minha atenção. No Emmy, a minissérie também ganhou, além das categorias de atuação, nas categorias de Direção, Roteiro, Edição, Casting e Figurino. Ganhando também o aval dos críticos – tanto com vitórias no Critics’ Choice Awards quanto com uma boa nota no agregador Rotten Tomatoes – a minissérie mescla bem momentos de drama e comédia.
O criador da série, Lee Sung Jin, havia imaginado dois homens brigando no trânsito, mas mudou de ideia ao ver Ali Wong interessada no papel. Wong queria uma maneira de ventilar suas frustrações como mulher divorciada e mãe trabalhadora fora do mundo do stand-up, onde ela é mais conhecida. A escolha foi certeira, pois Ali está perfeita no papel, um em que ela pôde ventilar e muito sua ira.
“Treta” é uma série da produtora A24. Bastante conhecida e com uma grande fanbase quando o assunto é cinema – ainda mais depois dos sete Oscars de “Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo” – pode vir como surpresa a participação da produtora no mundo da televisão – menos para os fãs de “Euphoria”, que com certeza é o mais conhecido empreendimento da A24 na telinha.
O mundo das artes está muito presente em “Treta”: Joseph Lee, que já era um artista visual, para o papel de George começou a explorar a arte da cerâmica. Um dos destaques da minissérie são as imagens exibidas quando os títulos são mostrados na tela. Todas elas, com exceção do primeiro episódio, foram feitas por David Choe, que interpreta o primo de Danny, Isaac. Estas imagens são acompanhadas de frases de grandes personalidades.
É interessante notar que cada personagem tem uma origem no continente asiático: Amy é descendente de chineses, Danny de coreanos e George de japoneses. Não são feitos muitos comentários sobre as diferenças destas três culturas que comumente são vistas como uma só – “descendência asiática” – mas é bacana ver essa representatividade especialmente depois de o mundo ver uma onda de xenofobia contra os asiáticos, que esteve presente inclusive em trágicos massacres com arma de fogo nos EUA, ocorrida em “resposta” à disseminação do vírus da Covid-19.
Lee Sung Jin confessou que tem três temporadas de “Treta” planejadas na cabeça, se a Netflix quiser transformar a minissérie em série. Mas não vemos essa necessidade: terminando do jeito que terminou, o último episódio deu talvez não um ponto final satisfatório à história, mas um ponto e vírgula: o que vier a seguir fica por conta da nossa imaginação.
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