O piauiense Andrey Jandson estreia na literatura com “Beija-Flor de Concreto”, uma coletânea de contos que lhe rendeu o primeiro lugar no Tato Literário, na categoria contos. Com sensibilidade e uma dose de realismo mágico, Jandson explora as intensas transformações internas dos personagens, abordando temas complexos como masculinidade tóxica, violência e redenção. Cada conto revela um momento de ruptura e crescimento, destacando a resiliência diante das adversidades.
Dividido em três partes — Beija-flores, Tetralogia das Aves e Rios Inundados — o livro reúne 14 contos que habitam o limiar entre o fantástico e o cotidiano, criando uma atmosfera singular. Ambientadas em cenários que evocam o interior e suas nuances, as histórias trazem personagens que enfrentam mudanças profundas em suas vidas, refletindo sobre questões de identidade, relações sociais e emoções reprimidas.
Andrey Jandson, natural de Picos (PI) e residente em Belém (PA), é formado em teatro pela UFPA e atua como diretor e roteirista. Ele se dedica ao estudo de linguagens artísticas e à pesquisa acadêmica, buscando novas formas de expressão na escrita. Com “Beija-Flor de Concreto”, o autor celebra seu primeiro livro publicado, resultado de oito meses de trabalho diário. Na entrevista a seguir, Jandson reflete sobre sua trajetória, as inspirações por trás da obra e os processos de escrita que marcaram sua transformação como escritor.
Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam? Por que escolher esses temas?
Mudanças internas, masculinidade tóxica e violências do cotidiano. “Beija-flor de Concreto” foi o primeiro conto a ser escrito; ele é o embrião de todos os outros. Foi um tipo de escrita erupção, apenas saiu, o tema já estava ali sem eu ter definido anteriormente. Outros contos foram surgindo, e quando eu decidi fazer um livro de fato, queria uma temática e uma atmosfera que ligasse tudo. A primeira foi a das transformações. Queria histórias com transformações muito intensas na vida daqueles personagens, capturar momentos onde algo acontece, e esse algo vai causar uma grande ruptura na vida deles. A partir disso, muitas das situações que surgiram eram vivências relacionadas à masculinidade tóxica: como isso está enraizado nas nossas relações e nos espaços que habitamos desde cedo, e como, às vezes, as rupturas, as marcas e as transformações na nossa personalidade vêm de situações do tipo, sejam elas violências mais escancaradas ou mais veladas. No fim, acho que é um livro sobre sobreviver a transformações: sejam as transformações que vêm com a migração de um espaço a outro, àquelas que nos são impostas de acordo com o nosso gênero social ou às porradas que a vida simplesmente te dá, te obrigando a crescer.
O que motivou a escrita do livro? Como foi o processo de escrita? Quanto tempo levou para escrever o livro?
A motivação inicial foi a experimentação. Depois do primeiro conto, passei a escrever outros, me encontrei nesse gênero, comecei a experimentar. Entre esses contos, percebi quais eu tinha mais gostado de escrever e quais o resultado mais tinha me deixado satisfeito. A partir de “Beija-Flor de Concreto” e “Eu queria ser como as nuvens”, fui descobrindo uma atmosfera específica que eu queria para um livro: histórias que se passassem no Nordeste, personagens que passam por grandes transformações. Também fui reunindo fragmentos de vida, histórias que eu ouvi ou que eu vivi, que estavam dentro dessas definições.
Então vieram alguns brainstorms, onde fiz algumas listas com sinopses de contos que eu queria escrever. Estruturei os contos, fiz escritas experimentais sobre os temas, escritas fluxo… Eu escrevo muito por fragmentos. Minha vontade era explorar vários pontos de vista, bem como gêneros diferentes. Como seria um livro de contos, vi uma oportunidade para experimentar vários modos de narrar.
As narrativas também se preenchiam de observações de pessoas e histórias ao meu redor que capturei. Em detalhes mínimos: uma conversa com um amigo, uma mãe brigando com a filha no mercado, o som de um porco sendo abatido na roça… são fragmentos da vida. Gosto de brincar com os sentidos que se criam a partir do que a gente pode encontrar no cotidiano.
O processo todo de escrever o livro demorou uns oito meses, numa escrita quase diária. Lembro que era sempre um êxtase terminar um conto e começar o outro, o inesperado que ele podia ser. Quando eu finalizava um, tinha um certo orgulho por ter acabado, e depois no outro dia, eu tinha que esquecer esse pra já começar a trabalhar em outro, bem diferente. Às vezes eu me dava uns dias de descanso e voltava para escrever o novo. Apesar de cansativo, foi um exercício muito interessante. O tempo de escrita mudava de conto para conto. Alguns eu escrevi rápido, em dois ou três dias. Outros levavam muito tempo para fermentar. Daquela lista inicial, alguns foram abandonados, alguns eu estruturei e sequer escrevi… Acontece.
Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
Para mim, pessoalmente, este livro mostra que a transformação é possível, mesmo depois de momentos traumáticos ou dolorosos. Que é possível se reencontrar, se reconectar consigo mesmo. Talvez por isso o último conto reflita sobre o amor…
O que esse livro representa para você? Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma?
Além de ser especial por ser meu primeiro, esse livro representa o fechamento de um ciclo para mim. Minha vida desde os 19 anos, que foi quando saí da minha cidade e fui para Belém, tem sido muito agitada. Nesses anos, tive experiências muito intensas, aprendi muito como artista, estive cercado de artistas maravilhosos. Essa experiência me permitiu escrever esse livro com mais propriedade. Não sei se o livro em si é responsável por isso, não apenas ele, mas o meu processo de transformação durante a escrita dele estava a mil. Foi um livro que me deu muita alegria enquanto eu escrevia, às vezes em dias calmos, ou radiantes, ou angustiantes… Também foi o momento em que comecei a levar essa vocação a sério, trabalhar na escrita com frequência quase diária, buscar desenvoltura técnica… Se você quer ser escritor, tem um momento em que isso deve acontecer.
Como a bagagem dos livros anteriores que você escreveu ajudou na construção da obra?
As escritas anteriores a esse primeiro livro aconteceram em vários lugares: dramaturgias para cenas curtas de teatro, poesias e prosa poética, composições musicais… Nada publicado em livro. Mas eu acredito que muitas coisas fora da linguagem da literatura tenham me dado bagagem também, como o teatro e o audiovisual. Eu sinto que todas essas áreas se alimentam uma à outra. O teatro, especialmente, me ensinou muito: subtextos, construção de personagem, noção de espaço e atmosfera, como criar uma simbologia na cena… Isso tudo foi muito importante para compor o livro.
Por que escolher o gênero adotado? Desde quando escreve dentro do gênero?
Comecei a escrever contos, de fato, pouco antes de desenvolver o livro. Principalmente pela possibilidade de poder explorar variações de narrativa, personagem, estilo… Queria experimentar multiplicidades. Também porque contos são muito explosivos; eles são compactos e, ao mesmo tempo, cheios de eletricidade, porque você tem que vender a narrativa muito rápido, escolher o momento mais vibrante daquele personagem para contar, como se colocasse uma lupa naquele momento específico da vida dele. Me fascinei pela ideia de escrever algumas histórias assim.
Como você escolheu a editora para a obra?
Uns três amigos diferentes me mandaram o post para eu me inscrever na premiação da Com.Tato. A primeira foi a Sharon, amiga que mora comigo e sempre foi um suporte emocional enorme; ela me motivou a me inscrever na premiação. Eu já tinha tentado algumas coisas com o livro, e ainda não tinha dado em nada. Como ele já estava pronto e revisado, eu me inscrevi…
Quais são as suas principais influências artísticas e literárias? Quais influenciaram diretamente a obra?
Clarice Lispector e José Saramago são meus escritores preferidos e que me ensinaram muito sobre o que é escrever. Durante a escrita do livro, eu cheguei a ler “A Maçã no Escuro” e “As Intermitências da Morte”. Quando comecei a escrever contos, observei muito a escrita da Lygia Fagundes Telles, Chimamanda Ngozi Adichie, Edgar Allan Poe e também li alguns contos de fada do Hans Christian Andersen. Tem coisas que faziam parte do meu cotidiano de escrita: sempre escutava antes ou depois de escrever a Lana Del Rey, o David Bowie, a Céu, escutava muito um disco do Carne Doce que se chama “Interior”, também estava descobrindo o Jorge Ben Jor com “A Tábua de Esmeralda”. De influências diretas para o livro, eu olhava muito as xilogravuras do J. Borges; eu gosto do misticismo e da crueza que elas têm, queria isso para o livro.
Como você definiria seu estilo de escrita? Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?
Meu desejo era alcançar um tipo de escrita que cruzasse elementos díspares. Que fosse poética, tivesse fluxos de consciência, em outros momentos objetiva e crua. Que combinasse o real e o onírico. Mas tudo isso de uma forma fluida, me preocupo bastante com o ritmo. Queria que o ponto de conexão dos contos fosse, além do tema, a atmosfera e a pulsação que eles têm. Gosto bastante do realismo mágico também, é algo que nunca parei de estudar desde então.
Você escreve desde quando? Como começou a escrever?
Desde criança sempre fui muito bem em redação na escola. Eu fazia minhas histórias em quadrinho, escrevia roteiros para brincar com meus dinossauros, criava músicas para eles… Na adolescência, escrevia muita poesia e letra de música. Alguns contos mal sucedidos e primeiras tentativas de roteiro. Tanto a minha primeira bicicleta quanto meu primeiro notebook vieram de premiações quando ganhei concursos de escrita de redações nas escolas.
Já em Belém, sinto que cresci muito por causa do teatro e por um projeto de pesquisa de filosofia da UFPA, com Maria dos Remédios de Brito, onde eu estudava Gilles Deleuze e Clarice Lispector. Passei a escrever com frequência muito maior nesse período. Foi quando eu passei a levar a vocação de escrever a sério e tratar como trabalho. Isso foi logo antes de iniciar o livro.
Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?
Eu tomo café antes, escuto música… Tento escrever todos os dias pela parte da manhã, sem uma meta quantitativa. Quando eu estou focado em algum trabalho, minha meta é me concentrar nele três horas por dia ou mais, quando dá.
Quais são os seus projetos atuais de escrita? O que vem por aí?
Tenho duas dramaturgias. A primeira é “Inquilino”, que sai no segundo semestre e também foi adaptada para o filme, dirigido por Tarcísio Gabriel e eu. Se passa em Belém, trata do tema do desemprego e, assim como em “Beija-flor de Concreto”, da masculinidade tóxica. Mas, diferente do livro de contos, essa peça tem uma atmosfera claustrofóbica e violenta. Tenho um conto que está em processo; quero encontrar um tempo em breve para terminar. É sobre suicídio. É para ser um conto que trata dessa temática tão densa de uma forma suave, evitando usar o tema como artifício para criar algo chocante. É muito sobre enxergar o outro. É restrita, tem dois personagens, se passa num bar, tem um toque onírico… É uma escrita que tem me deixado muito feliz.
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