A brasilidade em “Marte Um”

O filme mais brasileiro que você vai ver em 2022

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Nos últimos anos, temos tido vergonha de ser brasileiros – algo, aliás, bem justificável. Mas é chegada a hora de recobrar nosso orgulho e celebrar a brasilidade, que pode estar estampada em tantos produtos, inclusive nos culturais. E não há jeito mais delicioso de recobrar nosso orgulho tupiniquim do que com um bom filme cheio de brasilidade – caso de Marte Um.

Essa é a história de uma típica família brasileira: negra, periférica, composta por pai, mãe, filha mais velha e filho mais novo. A filha mais velha é Nina (Camilla Damião), estudante de direito e lésbica ainda dentro do armário, que quer conquistar sua independência alugando um apartamento com a namorada. O filho mais novo é Deivid, ou “Deivinho” (Cícero Lucas), jogador de futebol pela pressão paterna, mas que sonha em se tornar astrofísico e participar da missão de colonização Marte Um em 2030. Enquanto isso, o pai, Wellington (Carlos Francisco), tem um novo colega de trabalho que quer despertar a consciência de classe dos que estão à sua volta e a mãe, Tércia (Rejane Faria), padece de uma enfermidade desconhecida.

Brasilidade é tudo que se manifesta como tipicamente brasileiro. Brasilidade é formar uma roda de samba numa festa de aniversário, é descer a ladeira de bicicleta com os amigos, é jogar baralho em família, é conhecer um ex-jogador de futebol e já querer mostrar para ele que tem um mini-craque em casa, é demonstrar afeto com gestos e não com palavras, é apelar para uma benzedeira e um banho de ervas para males do corpo, é falar “me passa um zap”, é saber que para qualquer coisa a gente dá um jeito. Marte Um transborda brasilidade como poucos filmes já feitos.

Brasilidade inclui o bom e o mau de ser brasileiro, indo do ritmo contagiante das nossas músicas até as pegadinhas sem graça de televisão. Porque ser brasileiro envolve também dissabores, como a abismal diferença entre as classes sociais, a exploração do patrão e a divisão não igualitária de trabalho entre pessoas de diferentes gêneros dentro de casa. Não são, obviamente, problemas que só existem no Brasil, mas temas que são aludidos, em maior ou menor escala, durante os 114 minutos de projeção de Marte Um.

Toda essa brasilidade vem fazendo boa carreira: tendo estreado mundialmente no Festival de Sundance e participado de outros 35 festivais ao redor do mundo, Marte Um tocou os corações no frio de Gramado e levou os kikitos de Melhor Trilha Musical e Melhor Roteiro, sendo que o próprio diretor Gabriel Martins assina o roteiro – tanto é que ele escolhe dar o próprio sobrenome para a família que cria no filme. No Festival de Gramado, o filme ainda ficou com os prêmios do Júri Popular e do Júri da Crítica. Agora, no embalo dos sonhos de Deivinho, o próximo passo para o filme é também um grande sonho: ser escolhido para representar o Brasil no Oscar.

Brasilidade também envolve fazer cinema, e deixar marcado ao final do filme que aquela produção gerou mais de 200 empregos diretos e pelo menos 400 indiretos. Marte Um foi agraciado, ainda em fase de projeto no aparentemente longínquo ano de 2016, com ajuda financeira de um fundo voltado para cineastas negros e narrativas cinematográficas sobre populações negras, hoje, obviamente, extinto. Desenvolvido durante um período turbulento, há no filme a inserção de notícias políticas, em imagens e narração voice-over, que não chegam a ser exploradas – nem elas nem a reação dos personagens a elas. É como se o filme nos dissesse: podemos sonhar, como Deivinho, apesar das notícias. E sonhar pode não ser uma coisa 100% brasileira, mas que temos vocação para sonhar, isso com certeza temos.

Marte Um

Marte Um
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Nota: Excelente – 8 de 10 estrelas
Nota: Excelente – 8 de 10 estrelas
8/10
Total Score iExcelente – 8 de 10 estrelas

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