CríticasFilmesLançamentos

“A Filha do Palhaço” é permeado pelo sentimento da ausência

Compartilhe
Compartilhe

Foi em 2011 – treze anos atrás, para a surpresa de todos nós que mal vemos o tempo passar e ele passa sem pedir licença – que chegou às telas brasileiras o filme “O Palhaço”, dirigido por Selton Mello. Um dos temas deste filme era a relação entre pai e filho, ambos palhaços, interpretados pelo próprio Selton e pelo grande Paulo José. A paternidade de um palhaço, desta vez urbano, volta a ser o foco para o qual uma câmera foi apontada no longa-metragem “A Filha do Palhaço”. 

Joana (Lis Sutter) vai passar alguns dias com o pai, Renato (Démick Lopes), de quem não é muito próxima. Ele trabalha na noite, contando piadas vestido de mulher, e ela passa a acompanhá-lo não apenas nos shows, mas nas demais aventuras noturnas. É numa destas que eles conhecem Marlon (Jesuíta Barbosa), também palhaço que está divulgando sua nova peça, “En Passant”.

Foi para acalmar a filha quando era bebê que Renato inventou a personagem com a qual hoje ganha a vida, Silvanelly. É com os aparatos da personagem que Joana consegue dar a volta por cima após uma desilusão amorosa. E é interagindo com Marlon que Renato repensa sua vida e sua arte, bem como o que sua ausência no papel de pai significou para Joana.

Dirigindo, co-produzindo e co-escrevendo “A Filha do Palhaço” temos Pedro Diógenes. Ele é primo do humorista Paulo Diógenes, falecido no há poucos meses, que por mais de 30 anos fez shows interpretando Raimundinha, personagem que inspirou Silvanelly. Sobre suas inspirações e efeitos da evolução dos personagens ao longo do filme, Pedro Diógenes declara:

A personagem da Raimundinha foi a inspiração para nossa Silvanelly e isso já apontava para um caminho. As contradições dos personagens também foram trabalhadas na parte estética do filme. As transformações que pai e filha passam contaminam os outros elementos do filme e, de forma sutil, tudo se transforma. A influência da filha no pai, e do pai na filha, são vistas e sentidas nas roupas, nos cabelos, na maquiagem, no cenário, na luz e nos gestos.”

É mediana a estreia de Lis Sutter no cinema. Algumas de suas frases soam mecânicas, mas, em compensação, nos momentos de exaltação da personagem ela se sai bem. O processo de escolha da atriz para o papel se iniciou antes e terminou durante a pandemia, o que significa que Lis passou por testes em pessoa e também online. Sua experiência prévia era com o teatro na escola, além de participações feitas na infância em um curta, um videoclipe e uma propaganda. Filha de mãe solo e de um pai que precisou ir viver em outra cidade, Lis contou em entrevista que compartilha com sua personagem não o abandono, mas a falta da figura paterna durante seu crescimento.

Muitos filmes sobre abandono paterno sofrem do mesmo mal: mostram ser fácil demais perdoar e voltar a conviver com o pai que se ausentou. Aqui me vem à mente logo “Um Lindo Dia na Vizinhança” (2019), que inclusive beira a pieguice ao tratar o assunto do perdão. Voltemos ao filme de hoje. Cantar em conjunto e dançar uma música que diz “estou fazendo falta para você” não é o suficiente para compensar anos de ausência. Felizmente, após esse momento de utópica harmonia entre pai e filha, surgem mais conflitos que adensam a trama. Também é feliz a escolha de não fazer da mãe de Joana, em sua única e grande cena, uma vilã.

Um usuário do Letterboxd definiu “A Filha do Palhaço” como “o Aftersun brasileiro”. São duas obras com paralelos claros para além da trama principal, e dois filmes com os quais não me conectei como a maioria pareceu se conectar. Tanto é que “A Filha do Palhaço” ganhou o prêmio principal na Mostra de Cinema de Gostoso novembro passado e o prêmio do público na Mostra de Tiradentes em janeiro. Para nós, filhos de pais ausentes, o cinema pode servir de espelho, um espelho para o qual voltar nossos olhos pode ser reconfortante ou desafiador.

A Filha do Palhaço

A Filha do Palhaço
7 10 0 1
Nota: 7/10 Ótimo
Nota: 7/10 Ótimo
7/10
Total Score iÓtimo
Compartilhe

Comente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sugeridos

Tom Holland compartilha foto misteriosa: “dia de filmagem secreta”

Na manhã de 5 de setembro de 2024, Tom Holland, conhecido por...

High Tide: filme com o brasileito Marco Pigossi e Marisa Tomei ganha trailer

O aguardado filme “High Tide”, estrelado pelo ator brasileiro Marco Pigossi e...

Disney suspende produção de filme adaptado de obra de Neil Gaiman

A Disney anunciou a suspensão temporária da pré-produção do filme “O Livro...

Novo Superman de James Gunn promete ser o oposto de O Homem de Aço

Em um movimento que promete redefinir o universo cinematográfico da DC, o...

Os Fantasmas Ainda Se Divertem se apoia em Michael Keaton para funcionar

Foram 36 anos de especulação sobre uma continuação de “Os Fantasmas Se...

Um filme Minecraft compartilha trailer com Jack Black e Jason Momoa

A Warner Bros. divulgou o primeiro trailer de “Um Filme Minecraft”, uma...

Gakusei desu Let’s School

O reitor da nossa antiga escola vai sair de férias pelo mundo...