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“A Música da Minha Vida” – jornada da emancipação embalada por Bruce Springsteen

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Viveik Kalra, Nell Williams and Aaron Phagura appear in Blinded by the Light by Gurinder Chadha, an official selection of the Premieres program at the 2019 Sundance Film Festival. Courtesy of Sundance Institute | photo by Nick Wall. All photos are copyrighted and may be used by press only for the purpose of news or editorial coverage of Sundance Institute programs. Photos must be accompanied by a credit to the photographer and/or 'Courtesy of Sundance Institute.' Unauthorized use, alteration, reproduction or sale of logos and/or photos is strictly prohibited.
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Há quem subestime a verdadeira relevância da música pop, e para esses, “A Música da Minha Vida” é um belo tapa com luva de pelica. A música produzida na segunda metade do século XX – sobretudo ali pelos anos 1960 e 1970 – surtiu tratados indeléveis que deram sentido a muitas vidas. Quando se ouve histórias em que o protagonista afirma “o rock me salvou”, certamente não é mero recurso poético. Se bem que é verdade que, no caso da história verídica que inspirou essa produção britânica, a poesia e a realidade se entrelaçam com uma simbiose tão irresistível que até demorou para virar filme.

Inglaterra, 1987. O adolescente britânico de origem paquistanesa e inclinação para escrita Javed Khan (Viveik Kalra) – alter-ego de Sarfraz Manzoor, jornalista, escritor e radialista cujo livro de memórias serviu de base para o roteiro – vive na cidade de Luton com sua família, chefiada por um pai dominador. Deprimido por sua vida familiar opressiva e sentindo que não tem futuro em uma comunidade hostil, um novo amigo apresenta Javed à música de Bruce Springsteen. Imediatamente ele é inspirado a alcançar seus próprios sonhos e a descobrir seus verdadeiros talentos. No entanto, o rapaz tem como principal barreira a difícil situação financeira familiar e o pragmatismo de seu pai recém-desempregado, que se recusa teimosamente a entender as novas aspirações de seu filho.

É certo afirmar que “A Música da Minha Vida” aproveita o embalo dessa nova onda de filmes com temática musical deflagrada por “Bohemian Rhapsody” e sedimentada com “Rocketman”  e “Yesterday”. Ora inspirados em biografias, como os dois primeiros, ou focados em uma obra como o último (que girava em torno das canções dos Beatles), que é o caso desse aqui, alicerçado nas composições do The Boss, que servem de armas para o jovem enfrentar as vicissitudes da vida. Inclusive, o título original, “Blinded By The Light” é uma música do artista em questão (que, é claro, toca no filme), outro ponto em comum do longa com seus predecessores. Enquanto em “Yesterday” somos apresentados a um mundo alternativo em que apenas o protagonista conhece os Beatles, aqui a música de Bruce Springsteen, vista como ultrapassada em uma época na qual a garotada estava mais interessada em synth pop, afirma sua força e atemporalidade servindo instrumento de emancipação.

A diretora Gurinder Chadha que também assina o roteiro em parceria com Paul Mayeda Berges, proporciona uma deliciosa jornada rumo a um sonho, cheia de lirismo e bem cadenciada entre o humor e o drama, sendo a música de Springsteen o elemento catalizador, além de uma espécie de testemunha ocular. E esse conto de fadas movido a clássicos do herói de Nova Jersey é tão envolvente que mesmo deslizes da condução da trama – como o quase sumiço de Roops (Aaron Phagura) a certa altura, justamente o amigo responsável por apresentar a música a Javed; o recurso de usar trechos das letras em torno do personagem, que funciona muito bem para ilustrar o impacto da descoberta musical, mas não faz tanto sentido mais adiante – são minimizados pelos trunfos.

Podem ser citados como acertos os personagens coadjuvantes. Todos, sem exceção, têm seu papel no avanço da história e as transformações do protagonista, seja a fada madrinha, a professora de redação Senhorita Clay, ou o Senhor Evans que faz aparições pontuais dignas de Mestre dos Magos. Assim como são cativantes a namorada de Javed, Eliza, uma garota antenada e contestadora interpretada por Nell Williams (que apareceu na quinta temporada de Game of Thrones como a jovem Cersei Lanister), e o núcleo familiar do rapaz, com destaque para o pai. O patriarca, dá ao ator Kulvinder Ghir uma plataforma para provar toda uma versatilidade, transitando entre variados tons com incrível sutileza. Mas a trama não funcionaria sem um protagonista carismático, e o jovem Viveik Kalra se mostra uma escolha bastante acertada, apesar da pouca experiência. Isso é até um ponto que confere maior naturalismo à trajetória do personagem.

Por fim, “A Música da Minha Vida” é um muito bem-vindo feel-good movie – ok, previsível, mas o gênero clama pela zona de conforto sem sobressaltos – que presta um justíssimo tributo a Bruce Springsteen e seus clássicos (quem nunca quis sair saltitando pela rua cantando ‘Born to Run’ a plenos pulmões igualzinho aos personagens no filme?) e também a uma época em que a música não era abundantemente disponível nos streamings da vida, mas (talvez por isso mesmo) era absorvida com uma paixão e intensidade a ponto de transformar uma história de vida. E não há artista melhor para traduzir isso do que o chefão de Nova Jersey.

Cotação: Muito Bom

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