A Vida, Acima de Tudo (2010), um drama social em um subúrbio da África do Sul

Uma comovente relação mãe-filha que reflete a moderna Joanesburgo

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Trailer

Análise

A Vida, Acima de Tudo (Life, Above All) é um registro duro de uma tragédia africana. Em sua adaptação do romance Chanda’s Secrets, de Allan Stratton (1971), o diretor sul-africano Oliver Schmitz (1960) nos leva a uma favela de Joanesburgo e à vida de uma família monoparental cuja filha mais nova acaba de morrer em circunstâncias incertas: a palavra oficial é gripe, mas a fofoca da aldeia sugere algo mais além.

A protagonista, a adolescente Chanda (Khomotso Manyaka) vai a uma funerária próxima para ver caixões em escala infantil. Havia vários e claramente, a morte desta criança não é um evento isolado, mas o verdadeiro problema segue quando Chanda retorna ao casa que ela divide com sua mãe doente e seus dois irmãos mais novos, e descobre que alguém fugiu com o dinheiro que ela reservou para enterrar sua irmã.

Não é nada“, insiste a mãe da heroína, referindo-se à lesão que cresce em sua perna, e o filme trata com mais força sobre uma cultura particular de negação: o impacto de uma doença cujo nome não se pode pronunciar. A narrativa nos apresenta uma geração inteira que foi negada a infância, a educação e a vida a que têm direito, tendo que cuidar de pais cada vez mais fracos e vulneráveis.(Apenas Chanda fala da AIDS diretamente; outros na comunidade preferem o eufemístico, “a ira de Deus”)

O filme não se torna enfadonho, devido à maneira como Schmitz o enraíza nos personagens. Há a robusta vizinha dona Tafa (Harriet Manamela), que – com os olhos postos na respeitabilidade social e na manutenção da aparência do bairro – arrasta consigo a mãe de Chanda a curandeiros e à igreja, numa busca insistente. Há o amante da mãe (Patrick Shai), abdicando de toda a responsabilidade pela morte da criança, que aparece na porta da família sempre que precisa de uma transa fácil e os rouba às cegas pelo privilégio. Há a empobrecida melhor amiga de Chanda, Esther (Keaobaka Makanyane), que – de forma dolorosa – anda de bicicleta até a parada de caminhões para se prostituir.

E há a própria Chanda, lindamente encarnada por Manyaka, que é dura, corajosa e inteligente, e ainda assim alguém por quem você fica com medo de que seja arrastada para baixo por essas circunstâncias. Se o progresso de seu protagonista nunca é fácil, a direção de Schmitz pelo menos encontra o equilíbrio certo para o filme se estabeleça entre o desespero e o otimismo, como na cena que uma música pop toca em um som de carro, numa primeira dança no quintal de um vizinho dando pequenos sinais de encorajamento e evitando que tudo se torne um pouco demais. O coração do filme é tão grande quanto o Serengeti, e sua empatia e compaixão são igualmente ilimitadas.

Homenagem Póstuma: Patrick Shai (1956-2022)

O ator e diretor Patrick Shai morreu no dia 22 de janeiro. Ele era mais conhecido pelos papéis nas séries de televisão como Soul City , Generations, Zone 14, Ashes to Ashes e Zero Tolerance. Ele foi um dos membros fundadores da Free Film Makers of South Africa. Shai era casado com Mmasechaba Shai e juntos tiveram dois filhos. Ele cometeu suicídio em Dobsonville em 22 de janeiro de 2022.

Cadorno Teles
WRITTEN BY

Cadorno Teles

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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