Mesmo com toda a perturbação que A Pele Que Habito suscita, logo fui remetido a Clarice Lispector ao pensar sobre o filme. Principalmente quando ela diz “Não quero a beleza, quero a identidade!”. Pois o novo filmaço de Almodóvar está interessado mesmo nas idiossincrasias da Identidade, a despeito de belezas, estigmas e até dos próprios princípios do cineasta.
Eu assisti o filme no final de setembro, numa cabine de imprensa lotada para o Festival do Rio. Mas só agora consegui agrupar pensamentos para o Ambrosia.
Na personalizada adaptação do livro francês Tarântula, de Thierry Jonquet, o filme acompanha Antonio Banderas como o bem-sucedido cirurgião plástico Richard Legrand que, após a trágica morte de sua esposa (que tem seu corpo completamente incinerado em um acidente), parte em busca de uma “pele perfeita”, que poderia tê-la salvado. Sem limites em sua busca, Richard beira a delírio (frio) nessa fixação, principalmente em sua relação enigmática com Vera (Elena Anaya), na qual toda a trama é construída.
O êxito marcante do diretor sempre fora seu grande domínio de seu universo (marca essa que faz dos grandes diretores, a alcunha que os tens, como Truffaut, Fellini e Tarantino). E aqui, é através desse domínio que o diretor discute a questão da noção e expansão da identidade de um indivíduo. Mas a sagacidade do diretor é tamanha que isso repercute até em seu próprio universo. A Pele Que Habito é um Almodóvar inquieto frente até a seus maneirismos, o que vem causando certo estranhamento generalizado na crítica especializada.
Mas Almodóvar, assim como seu filme, não estão preocupados com zonas de conforto estabelecidas. E ao desmembrar as camadas dramáticas de sua história, vão expondo não só inquietações estéticas, mas também reflexões sobre aquilo que entendemos como gênero, para justamente questioná-lo. O instinto é o contraponto da razão? O homem possui mesmo o complexo de Frankenstein? Toda essa discussão são pautadas em paradigmas?
Os sentimentos estão à flor da pele, segundo Almodóvar, mas afinal, para além do gênero a qual isso tudo seria envernizado, tem algo mais primitivo que a exposição passional de nossos instintos? Voltemos então para as reflexões de Clarice…
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