“O Caçador e a Rainha do Gelo” não esconde sua natureza de ser “caça-níqueis”

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Era uma vez… um estúdio que decidiu pegar um clássico conto de fadas, bastante popular entre crianças e adultos, e resolveu adaptá-lo mais ao gosto do público moderno, com muitas batalhas épicas, bons efeitos especiais para tornar criaturas fantásticas bem realistas e uma leve pitada de romance. Para garantir seu sucesso, foi escalada uma das atrizes mais populares entre os jovens (Kristen Stewart) para ser a protagonista, uma bela atriz que já tinha ganho respeito (e o Oscar) para ser a vilã (Charlize Theron) e um ator que conquistou a fama após viver um super-herói bem conhecido entre os fãs de quadrinhos (Chris Hemsworth) para interpretar o “mocinho”.

Então, foi lançado em 2012 Branca de Neve e o Caçador”, que se não foi um grande hit, pelo menos arrecadou o suficiente para deixar seus realizadores com um sorriso no rosto. Logo, pensaram até numa continuação da história, algo até esperado com tantas sequências surgindo a cada ano. O problema é que o filme acabou também conhecido por um escândalo ocorrido por trás das câmeras: o caso do diretor Rupert Sanders com sua estrela, o que lhe custou o casamento e a chance de ascender em Hollywood (embora atualmente esteja envolvido com a adaptação do mangá “Ghost in the Shell”, com Scarlett Johansson).

Logo, nem Rupert nem Kristen (que já tinha decidido não voltar para a sequência e, com o affair, decepcionou seus fãs e seu namorado, Robert Pattinson, que decidiu terminar o relacionamento) continuaram no projeto, que mudou o foco para o personagem de Hemsworth. Assim, quatro anos depois, chega às telas “O Caçador e a Rainha do Gelo” (“The Huntsman: Winter’s War”), uma mistura de sequel com prequel que, assim como o filme original tem bons recursos técnicos, como a fotografia, os figurinos e os efeitos visuais. Mas peca por não ter uma história mais original e uma direção não tão segura quanto vista na produção anterior.

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Narrada por Liam Neeson, a trama mostra que a cruel rainha Ravenna (Charlize Theron) tinha, anos antes dos eventos do primeiro filme, uma irmã, Freya (Emily Blunt), que convivia com ela até o dia em que uma tragédia em sua vida fez com que Freya desenvolvesse poderes para criar e manipular o gelo. Ressentida com o mundo, ela resolveu se isolar de todos num reinado distante, onde decidiu dominar os povoados vizinhos e ordenando seus soldados a matar os adultos e sequestrar as crianças, para que fossem treinadas e se tornassem parte de seu exército de Caçadores.

Um deles era Eric (Chris Hemsworth), que logo se tornou um de seus favoritos. Mas ele desobedeceu a única lei imposta por Freya, ao se apaixonar por Sara (Jessica Chastain). Ele acabou sendo banido e entregue à própria sorte, onde acabou por se envolver com a história de Branca de Neve, tempos depois. Mas quando Eric achava que teria um período de paz e sossego, ele é chamado para descobrir o que aconteceu com o espelho mágico de Ravenna, que desapareceu misteriosamente e pode se tornar uma perigosa arma nas mãos dos inimigos.

Acompanhado dos anões Nion (Nick Frost) e Gryff (Rob Brydon), ele acaba se reencontrando com Sara, que não está muito feliz em revê-lo, e juntos tentam reaver o maligno objeto, também cobiçado por Freya, que tem um misterioso plano para ele.

Embora tenha algumas ideias interessantes, como a criação do exército de caçadores ou a influência maléfica do espelho sobre as pessoas (inclusive a Branca de Neve, que só aparece de costas), o roteiro de “O Caçador e a Rainha do Gelo”, escrito por Evan Spilitopoulos e Craig Mazin, é um dos pontos fracos do filme, por sua mistura um pouco indigesta de contos de fada como o próprio “Branca de Neve” e “A Rainha da Neve”, de Hans Christian Andersen, que inspirou também o sucesso Frozen – Uma Aventura Congelante”, já que não faz muito sentido o surgimento da irmã de Ravenna, que não foi nem citada na primeira aventura. Além disso, o irmão da vilã, Finn (Sam Spruell) nem sequer é mencionado, o que soa um pouco estranho já que ele é peça importante em “Branca de Neve e o Caçador”. As piadas envolvendo os anões são fracas e o máximo que conseguem é produzir um sorriso amarelo no público. Mas o pior é o excesso de frases ditas pelos personagens, dignas de romances baratos, como “O amor vence tudo” “Não vivo sem amor” e por aí vai.

A direção do estreante Cedric Nicolas-Troyan também não ajuda, já que, embora se mostre hábil nas cenas que exigem muitos efeitos especiais (já que é sua especialidade e foi até indicado ao Oscar justamente pelo seu trabalho em “Branca de Neve e o Caçador”), ele não consegue tornar empolgantes as sequências de luta corporal, deixando enfatizar que tudo é coreografado, especialmente no confronto final. Além disso, o cineasta não obtém um bom resultado nos momentos mais dramáticos, exceto no momento em que Freya mostra seus poderes pela primeira vez.

O que torna “O Caçador e a Rainha do Gelo” minimamente divertido é o carisma do elenco principal. Chris Hemsworth aparece aqui bem menos amargurado do que na primeira parte, soltando piadinhas e abrindo sorrisos do jeito que suas fãs gostam, além de se mostrar mais uma vez eficaz nas cenas de ação. Charlize Theron volta a se destacar com a vilania de Ravenna, embora aqui ela esteja menos histérica e contemplativa, mas com um prazer maior de fazer maldades. Emily Blunt tem um bom trabalho ao mostrar as contradições de Freya (que é mostrada como uma mistura de Elza, de “Frozen”, com a Feiticeira Branca de “As Crônicas de Nárnia”), que quer manter o seu coração fechado para o amor, ao mesmo tempo em que deseja ser uma espécie de mãe para seus guerreiros, com o objetivo de superar o seu trauma no passado, e tem bons momentos ao confrontar a irmã.

Jessica Chastain faz um belo par com Hemsworth e convence ao mostrar a raiva que Sara sente em relação ao Caçador, ao mesmo tempo que parece resistir aos seus encantos, embora seja prejudicada pelo roteiro ruim. No elenco secundário, destaque para a inglesa Sheridan Smith, que realmente é divertida ao interpretar a rabugenta anã Sra. Bromwyn, que se junta ao grupo em busca do espelho. Sam Claflin, que volta como o príncipe William, faz apenas um pouco mais que uma ponta, o que torna seu personagem desnecessário.

Com um desfecho que dá uma possibilidade para uma terceira parte, “O Caçador e a Rainha do Gelo” é uma continuação que não tinha necessidade de existir, a não ser para arrecadar mais dinheiro nas bilheterias. Para quem gosta de fantasias épicas genéricas, o filme pode até agradar. Mas quem quer ver algo a mais certamente irá se decepcionar. Se quiser assistir a algo realmente empolgante no gênero, é melhor ver (ou rever) a trilogia “O Senhor dos Anéis”, de onde esta sequência (e o filme original) se inspiraram descaradamente e com pouca magia.

Filme: O Caçador e a Rainha do Gelo (The Huntsman: Winter’s War)
Direção: Cedric Nicolas-Troyan
Elenco: Chris Hemsworth, Charlize Theron, Emily Blunt, Jessica Chastain
Gênero: Aventura, fantasia
País: EUA
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Universal Pictures

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