Em 1992 o mundo vivia uma espécie de dinomania. Não há como saber o porquê (conjunção astral, talvez), mas houve um grande interesse pelos nossos antecessores no domínio do planeta naquele início de década de 90. Tanto que um dos maiores sucessos da TV naquele ano era Família Dinossauro, produzida pela Disney em parceria com a Jim Henson Produtions, que usava marionetes de última geração para a época para dar vida a dinossauros antropomórficos que reproduziam em tom de sátira e deboche o american way of life adaptado para a idade da pedra, e a vedete do programa, responsável por muito do sucesso era o filhote Baby. E ainda tinha aquele jogo de arcade Cadillacs and Dinossaurs, baseado na HQ de Mark Schultz, um beat em’ up de grande sucesso lançado no início de 1993.
Nessa mesma época, já era best seller no mundo o livro do escritor Michael Crichton “O Parque dos Dinossauros”, lançado em novembro de 1990.
A trama de Jurassic Park mostrava a audaciosa empreitada de inaugurar um parque, estilo Animal Kingdom, onde a atração seriam dinossauros recriados a partir do DNA contido em um mosquito pré-histórico fossilizado que se alimentava do sangue dos lagartos gigantes. Apesar da ampla licença poética científica – nunca foi achado um mosquito fossilizado com sangue na barriga até então (o primeiro fora encontrado em 2013), mas a possibilidade se extrair um código genético dele, quanto mais recriar espécies, é nula – a intenção do texto de Crichton era discutir a ambição humana de brincar de Deus e suas implicações filosóficas. O cineasta Steven Spielberg, com seu faro de Midas, vislumbrou na obra uma adaptação para os cinemas que certamente o levaria a fazer as pazes com o sucesso, já que seu último filme, “Hook – A Volta do Capitão Gancho”, fora um fracasso retumbante.
Na verdade, “Parque dos Dinossauros” já era um curinga na manga do diretor, que se interessou pelos direitos da obra antes mesmo da publicação, enquanto ele e Crichton discutiam, em 1989, um roteiro que se tornaria a série de televisão “ER”. O autor exigiu, com o livro ainda incompleto, 1,5 milhões de dólares, além de um percentual da receita bruta. Em maio de 1990 a Universal Pictures adquiriu os direitos para Spielberg, que produzira no estúdio seu maior sucesso, “E.T.”, a maior bilheteria de todos os tempos até então. A Warner tentou comprar os direitos para que Tim Burton dirigisse, assim como a Sony, que tinha planos para Richard Donner e a Fox, que planejava ter a adaptação dirigida por Joe Dante, mas nenhum dos estúdios obteve sucesso e “Jurassic Park” foi encomendado para ser o grande lançamento da Universal no verão de 93. Todo frisson e expectativa foram criados pelo anúncio de Spielberg que traria os dinossauros à vida graças à computação gráfica, que avançava a olhos vistos, aliada a animatronics de última geração, resultando em um realismo jamais visto.
O roteiro adaptado pelo próprio Crichton juntamente com David Koepp seguia a espinha dorsal do livro, mas com supressões e alterações de características de alguns personagens, como o Dr. Hammond, que no livro é ambicioso e um tanto obcecado pelo sucesso e no filme é apenas um velhinho simpático. Lançado em 11 de junho de 1993, e duas semanas depois no Brasil, foi a maior arrecadação em um fim de semana de estreia até então, com mais de 50 milhões de dólares somente nos EUA e terminou a carreira como a maior bilheteria da História, com Spielberg superando seu próprio recorde de “E.T.”.
“Jurassic Park” não é um filme perfeito (o livro também não o é), há problemas com personagens – os cientistas parecem um tanto mecanizados (Samuel L. Jackson aparece em sua fase Pré-Pulp Fiction), o garoto Tim (Joseph Mazzello) é chato e o personagem de Jeff Goldblum, Dr. Ian Malcom, é irritante – e a explicação científica, que no livro já é meio absurda, é explicada de uma forma tão rasa que só tira a credibilidade do mote. Porém, é inegável que temos no filme, talvez a última ocasião em que vimos Spielberg em sua quintessência enquanto mago da sétima arte. Em alguns momentos há a sensação de deja vu, quando nos deparamos com elementos que nos remetem a filmes anteriores. Grant é o homem obcecado pela ciência/desconhecido como o protagonista de “Contatos Imediatos”, o ponto de vista infantil e o visual da floresta à noite como em “E.T.”, e, claro, a ameaça natural predatória em um lugar projetado para o lazer em massa, como em “Tubarão”.
Mas indubitavelmente ficaram gravadas na retina de toda uma geração imagens que se tornaram icônicas como o portão de entrada do parque se abrindo, os dinossauros mostrados pela primeira vez em um plano aberto com um belíssimo travelling ao som da trilha do sempre competente John Williams (no cinema foi o verdadeiro momento “wow!”), a tensão de ouvir os passos do T- Rex e a água do copo dentro do jipe formando ondinhas, Dr. Grant (Sam Neill) e as crianças correndo em meio a uma manada de galimimos que também fugiam do grande predador, e a sequência dos velociraptors entrando na cozinha.
Spielberg não estava brincando quando disse que faria os dinossauros mais realistas da História do cinema e mais uma vez impressionou o mundo com o amparo da fábrica de sonhos Industrial Light & Magic, naquele que talvez tenha sido o último trabalho realmente marcante do estúdio de efeitos que monopolizou o setor nos anos 80 e primeira metade dos 90. A excelência da ILM perdura até os dias de hoje, mas não fizeram nada tão pioneiro e que arrebatasse o público como fizeram aquelas espécies de dinossauros interagindo com locações e atores reais de forma tão convincente.
No decorrer dos anos 90 Michael Crichton também colheu os louros das bilheterias de Jurassic Park, tendo vários livros seus adaptados para as telas como Sol Nascente, Congo, Devoradores de Mortos (que gerou o filme “O 13º Guerreiro”), entre outros. Em 1997, a franquia dos dinossauros ganhou sua inevitável sequência, “O Mundo Perdido”. Spielberg voltou à cadeira de diretor, mas comandou a película de forma burocrática, com um roteiro desprovido da graça e, principalmente, da surpresa do original.
Em 2001 veio o terceiro episódio, que trouxe de volta atores principais do primeiro: Sam Neill reprisou o papel de Dr. Grant e há até uma pequena participação de Laura Dern também bisando o papel da Dra. Ellie Sattler. Além disso, mais dinossauros, é claro, feitos com CGI ainda mais avançado. No entanto já era tarde. A magia já tinha se esvaído, mas ainda assim a Universal não descartava a hipótese de um novo filme, que levou 14 anos para chegar às telas. O criador da obra não viveu para ver o último filme da franquia. Crichton morreu aos 66 anos em 2008, vítima de um linfoma, tumor maligno originário do sistema linfático.
Por fim, “Jurassic Park”, com seus erros e acertos, é um dos filmes de entretenimento mais eficientes e marcantes dos anos 90 e serve como belo fechamento de uma era na carreira de Steven Spielberg. Depois o diretor enveredou por projetos mais ambiciosos e sérios como “Amistad” e “O Resgate do Soldado Ryan”e o recente “Lincoln”, alternando eventualmente com produções menores como “O Terminal” e “Prenda-me Se For Capaz”, e superproduções do porte de “Minority Report” e “Guerra dos Mundos”. Todos filmes muito bem realizados, mas “Jurassic Park” foi a última vez em que Spielberg foi Spielberg.
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