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Cisne Negro: Aronofsky e a Morte como Libertação

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Este artigo contém spoilers, mas nada que vá estragar o final, tendo em vista que os filmes supracitados costumam a ser bastante explícitos quanto ao que irá acontecer.

Black Swan é o quinto filme de Darren Aronofsky, no qual ele procura seguir uma idéia muito familiar que o cineasta vêm perseguindo em sua carreira: a Morte como libertação. Este elemento estava lá desde seu primeiro filme: Π , e tirando Réquiem para um Sonho (que parece apenas flertar com este tema), se fez presente em todas as narrativas até então.

O Lago dos Cisnes, por terminar com esta marca, a dualidade libertação/morte da personagem principal, já é praticamente um filme do Aronofsky. Nesse caso, o suicídio aparece como a única forma de quebrar com a maldição colocada por Rothbart, que aprisionou a protagonista no corpo de um cisne. No final do espetáculo de Tchaikovsky, o Príncipe também morria para ascender aos céus ao lado de sua amada (como o que se sucede em A Fonte).

Portanto, é impossível não ver este filme como parte de algo maior, uma visão cinematográfica de mensagem muito constante que já dura um pouco mais de uma década.  Poucos cineastas me parecem ter desenvolvido uma relação tão próxima com o ideal de morte e penso que Aronofsky tem exercido um papel importante no cinema contemporâneo ao preencher este nicho. Longe do existencialismo que dominou boa parte deste tipo de cinema na segunda metade do século XX, os filmes do diretor parecem dançar um estranho balé com a morte. Usando-a como objeto de fascínio e inspiração.

Em A Fonte, o grande Inquisidor declara “Corpos são prisões da alma, nossa pele e sangue, as barras de ferro do confinamento. Mas não temei, a morte transforma tudo em cinzas e, assim, libera a alma.” E não há como esquecer da grande “revelação” que fecha o filme, quando o monge percebe a única forma de entrar no Shibalba: “A morte é o caminho para o sublime”.

Cisne Negro é um belo filme que segue de forma impressionante a visão do diretor, bem como a própria obra original. A narrativa se volta para Nina (uma Natalie Portman atuando de forma impecável), uma bailarina infantilizada pela mãe, que é escalada para ser a protagonista do Lago dos Cisnes, seu problema é: por mais que possa atuar como Odette (o virginal e perfeito Cisne Branco), ela não possui a maturidade necessária para viver Odile (o sensual Cisne Negro). Para conseguir se sobre-sair nos dois papéis, Nina se coloca por diversos extremos que vão, aos poucos, esfacelando com sua vida antiga. Desequilibrada, suas noções dilaceradas de realidade começam a invadir o seu cotidiano conforme ela avança em seu processo de se tornar o Cisne Negro. Em uma lenta e angustiante metamorfose.

Algumas pessoas reclamaram sobre o filme ser previsível, e confesso que não entendo este problema. O Filme é inteiramente baseado em um balé, e o segue quase a risca. Este por sua vez foi escrito em cima de algumas fábulas do folclore alemão e do russo, que são essencialmente histórias arquetípicas que se repetem a todo momento. Ser previsível não quer dizer que algo seja ruim (veja você boa parte dos épicos modernos como Senhor dos Anéis e Star Wars), bem como ser imprevisível também não é sempre positivo (é só ver os filmes do Shyamalan). E o próprio diretor não se poupa de referências mitológicas como o doppelganger, e seu tênue significado com a morte. Afinal estamos lidando com uma história que é maior do que a versão de Nina, é um conto sobre amadurecimento, transformação e ascensão, com toda beleza que este tipo mito acarreta. Narrado aqui de forma visceral, angustiante mas também belíssima.

Os delírios de Nina são sempre bastante impressionantes, e a música sempre presente e alta dos temas de Tchaikovsky consegue sustentar muito bem a tensão no ar. E mesmo que este seja um dos filmes mais fracos deste diretor, temos de admitir, ele ainda é melhor do que quase tudo que foi exibido em 2010.

Mas ao final, o que dizer desta trajetória de Aronofsky? Certamente é uma visão interessante de dois conceitos que sempre caminharam juntos, seja em variadas religiões (do catolicismo ocidental até o oriente), seja como conceito político (Liberdade ou Morte é praticamente o mote de todo o movimento político do século XVIII), e que continuará a nos trazer belos trabalhos centrados neste dualismo.  Acredito que o diretor continuará perseguindo essa visão, e será particularmente interessante enxergá-la em Wolverine, próximo filme do diretor e que vai contar a história de um homem que é em essência imortal.

“A Morte é o caminho para o sublime!”

[xrr rating=4.5/5]

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10 Comentários

  • Uma resenha sublime, só discordo sobre este ser o filme mais fraco do diretor, acho que além de tudo que você falou um grande mérito de Cisne Negro é desvendar o universo feminino, algo bem difícil em qualquer linguagem.

  • Agora falando de A Fonte da Vida (The Fountain), outro dia estava pensando e acho que a melhor comparação para o filme é Matrix Revolutions, que possui bons conceitos envoltos num filme estretamente mal construído. A Fonte não é nem um pouco tão ruim quanto Matrix Revolutions – isso seria um feito – mas é o filme mais fraco do diretor quando falamos de cinema…

  • Discordo de você sal…. Cisne Negro é um filme foda, mas as vezes até por se focar nesta questão do feminino (de forma brilhante) não consegui me identificar tanto com o filme, quanto com os demais. è uma coisa emocional mesmo, e não racional, tanto que o filme dele mais questionado, a Fonte, é justamente o que mais me tocou, e um dos meus filmes preferidos…

  • como ja disse em um comentario anterior aqui no ambrosia , a visão de anofski é fria e distante de seus personagens ,nota-se um intelectual que detesta a ficção ,mas com plena capacidade para entende-la e manipula-la da forma que bem entende ,talvez dai se explique a presença constante da morte em suas obras,a ficção é infinita ela pode se desdobrar em milhões de caminhos ,quando voce insiste na morte de seus protagonista ilusoriamente voce esta dando um fim para aquela historia ,mas para quem o cria nunca tem fim ,pegue pi ,a fonte da vida, o jogador e até requiém para um sonho ,os compare , e vera quão doloroso é para o aronofski dar um desfecho a seus filmes ,sua ficção não aceita ser ficção .

  • Muito interessante o texto. Eu gostei de "Cisne Negro". Muito. De verdade, "filmaço". Realmente me passou alguma coisa de tensão durante todo a transmissão. E , pra mim é isso, se o filme mexe comigo, não importa de que maneira, ele vale a pena.

    Em geral, não me ligo de comparar com outros filmes do mesmo autor enquanto assisto, mas já que tocaram no assunto "Fonte da vida" é, pra mim, uma aberração. Péssimo. Fraco. Uma afronta. Enfim… Pra mim, não dá, simplesmente não aceito esse filme.

    No mais, o texto está ótimo, Felipe.
    Até mais.

  • Parabéns pela resenha, Felipe. O filme de fato é bem intenso, mas confesso que me deixei mais encantar pela música (sem comentários) do que as relações estabelecidas (e óbvias) com a morte (seja pela história do ballet, seja pelo flerte do diretor). Eu achei um excelente filme e valeu muito mais do que muita coisa de 2010, com certeza.

    Parabéns pelo texto. De longe uma de suas melhores críticas, na minha humilde opinião. rs

  • Não poderia discordar mais de sua resenha. Aronofsky não é seduzido pela morte de forma alguma. O fato de seus protagonistas morrerem no final corrobora um tipo de cinema ( e de modo mais geral, um veio da produção artística em todos os meios) que praticamente descola o persoangem do contato com os demais humanos. Em outras palavras, TODOS seus protagonistas passam por enorme sofrimento, um sofrimento maior que qualquer humano poderia suportar e a morte lhes vem não como libertação, mas como recompensa. Não há mais nada a fazer entre os homens, deve-se deixá-los então. É quase como se estivesse construindo uma galeria de tipos que alimentam o imaginário sobre os santos. Vale lembrar que todos se redimem antes da morte, que realizam o que queriam: neste filme isso é ainda mais óbvio porque ela conseguiu ser perfeita (note bem como essa palavra é uma obssessão para ela). Pode morrer, portanto. Daí que não é a morte o tema de seus filmes, mas como o sofrimento é o único caminho para a plenitude.

  • Ainda bem que ele existe. Ele é um dos poucos que ainda consegue realizar o cinema enquanto sétima arte.

    Obrigada pela resenha, muito boa, e pelos comentários. Pelo menos aqui, não vi críticas sem nexo.

    E não acho o filme mais fraco dele, talvez por se tratar de uma visão feminina, distancia um pouco da racionalidade e sensibilidade masculina como ele conseguiu atingir nos outros.

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