“Na cidade de Sylvia” (“En la ciudad de Sylvia”, Espanha/França, 2007) é um filme incomum. Dirigido por José Luis Guérin, o filme é um exercício formal que tem como objetivo principal o elogio às mulheres e à cidade de Strasbourg, na França.
A sinopse poderia ser: um rapaz vai até uma cidade anônima para tentar reencontrar uma mulher que conheceu há algum tempo em outro lugar. Isso funciona como uma linha de horizonte, uma espinha dorsal para que a câmera vagueie pela cidade, pelos seus habitantes e seus rituais diários. As ruas e vielas e as personagens em seus afazeres cotidianos são as verdadeiras estrelas do filme. É uma história sobre vagar em busca daquilo que não se tem certeza, sobre aquela sensação de melancolia e coragem de quando se viaja sozinho.
O olhar curioso daquele que invade um espaço desconhecido é o olhar da câmera. Através de planos fixos que enquadram a geometria dos prédios, curvas e janelas e de longos travellings seguindo os passos de nosso protagonista, o filme constrói uma fauna local que se completa formalmente pelo trabalho de som fabuloso.
O som é completamente seletivo. Além de uma trilha branca ambiente por debaixo de qualquer outro ruído, os elementos que invadem nossos ouvidos são os passos, os transportes circulantes, sons entrecortados de conversas indiscerníveis, anúncios em alto falantes, etc. A balbúrdia comum da cidade fica invisível e nos deleitamos com um desenho sonoro específico, quase em tons pastéis, completamente subjetivo, como se partisse de dentro da mente de nosso protagonista e suas observações.
Algumas referências óbvias podem ser ressaltadas, tais como Eric Rohmer, Robert Bresson e Richard Linklater. Rohmer, pelo ritmo lento, os olhares cheios de significado, a narrativa aparentemente inocente de sentido maior e a delicadeza do uso da câmera. Bresson pela obsessão do personagem, pelo apreço ao gesto e a fotogenia do rosto. E Linklater pela abertura à conhecer uma cidade de maneira não turística, ao mesmo tempo em que dá uma importância misteriosa aos personagens locais.
Experimentamos, através deste filme, um olhar voltado ao belo, ao vento e às formas. Somos observadores sem nome protegidos pela nossa condição incógnita de espectadores.
Pilar Lopez de Aylala, quem Xavier Lafitte, nosso protagonista, segue por 30 minutos de filme, é uma mulher linda, cujas expressões nos mantêm extremamente deslumbrados e inertes em nossas cadeiras, à espera de qualquer movimento brusco que nos revele algum segredo qualquer. E, como não poderia deixar de ser, a expectativa do personagem não atinge o esperado, trazendo o engano e a decepção em cena, como em geral ocorre quando viajamos com um objetivo apenas.
A memória é o que o motiva na sua busca, mas o que o guia são os momentos fugazes registrados apenas por desenhos, os instantes do presente completamente indiferentes às certezas. Seus desenhos são impressões da realidade, que nos dão, assim como a ele, dados insuficientes e questionáveis sobre o objeto de desejo que persegue. O sentido de tudo no filme é apenas a imagem, é a beleza, é o que o olho pode captar, ou seja, o cinema em sua habilidade impressionista máxima.
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