Vivemos em tempos de música ordinária violentando os ouvidos e fornecendo uma péssima reeducação musical; artistas moldados por uma indústria nefasta que só visa o lucro e consumo descartável da Música, uma vez que não é mais necessário pagar por ela. Nesse cenário, é sempre um alento ver tributos sinceros à boa Música, da sua concepção à sua fruição na relação estreita com as pessoas que de fato a amam.
“Mesmo Se Nada Der Certo” (Begin Again/ EUA 2014) é sobre isso. Dan Mulligan (Mark Ruffalo) é um executivo de uma gravadora lutando para se sustentar em Nova York. Uma noite, em um bar no East Village, ele encontra Gretta (Keira Knightley), uma jovem e talentosa compositora independente cuja música o toma de assalto. Certo de que ele pode fazer dela uma estrela, Dan oferece um contrato com seu selo. Mas Gretta, determinada a não comprometer seus princípios como uma artista autêntica por causa da fama, e recusa a oferta. No entanto, Dan não desiste enquanto não tornar comercial e público todo o talento da moça e decide produzi-la mesmo de forma independente para, então sim, oferecer o trabalho já pronto a um selo.
O grande acerto do filme é captar o espírito artístico e despojado pulsante na cidade de Nova York, sobretudo na tradicionalmente efervescente região do Village. O diretor John Carney não é um novato na seara de filmes tendo a Música como tema. Também é dele “Apenas Uma Vez”, de 2006, sobre o encontro de um artista de rua irlandês e uma imigrante tcheca, na também artisticamente rica Dublin. No caso de ‘Mesmo Se Nada Der Certo’, a relação simbiótica com a Música ganha representações gráficas que fazem sorrir de orelha a orelha aqueles que se identificam com os personagens, além de se fazer entender para aqueles que não chegam a fazer parte da confraria, apenas apreciam a música como um pano de fundo.
Um exemplo que pode ser dado é na cena em que Dan assiste ao pocket show de Gretta apenas com voz e violão, e seu olho clínico de produtor musical aliado à sensibilidade de entusiasta o faz vislumbrar todo o acompanhamento que a música poderia ganhar para sua completude, do baixo e bateria ao violoncelo. Outro momento marcante que traduz essa relação é quando os dois se propõem a escutar as playlists um do outro andando pelas ruas da cidade, afinal, segundo Dan, a melhor forma de se conhecer uma pessoa de verdade é ouvindo sua playlist. É um dos momentos mais divertidos do filme.
Apesar de a película versar sobre relação profunda com Música e pessoas descoladas, não vemos vinis como vedetes. As músicas são sempre ouvidas em arquivos digitais, talvez acenando para o fato que a audiofilia independe de formato, embora alguns puristas defendam o formato físico como a matriz ideal de consumo.
No elenco temos figuras do mundo da Música como Mos Def, no papel do diretor da gravadora, Cee Lo Green, interpretando o rapper Troublegum, e o vocalista do Maroon Five, Adam Levine, que faz o pop star com quem Gretta tem uma complicada relação, e chama a atenção pela sua constante mudança de visual ao longo do filme. Os três se saem bem como atores (já tiveram experiências anteriores no ramo) e Keira Knightley também surpreende positivamente como cantora. As músicas são realmente cantadas pela atriz. Mark Ruffalo está à vontade no papel e defende o personagem com sinceridade, o que torna impossível não simpatizar com o adorável perdedor.
Por fim, ao assistir a ‘Mesmo Se Nada Der Certo’ fica claro que trata-se essencialmente de uma história de amor com a Música, mesmo haja pessoas envolvidas no processo.
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