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Crítica: “Real Beleza” vale pela química entre protagonistas em trama sem surpresas

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Um dos cineastas mais consagrados dos últimos anos no Brasil, Jorge Furtado é um dos únicos diretores que conseguiu transformar seu nome numa espécie de grife, fazendo com que seus filmes sejam ansiosamente aguardados não só por cinéfilos mas também por boa parte do grande público. Isso se deve a sucessos de produções que dirigiu e roteirizou como “O Homem que Copiava”, “Meu Tio Matou um Cara” e “Saneamento Básico: O Filme”, além de seu trabalho na televisão em obras como “Luna Caliente”, “Doce de Mãe” ou “Decamerão – A Comédia do Sexo” entre outras. Por isso, não é de estranhar a expectativa criada para seu mais recente projeto, “Real Beleza” (idem, 2015). Porém, quem espera um filme com tramas mirabolantes, incríveis reviravoltas e muito humor, algumas de suas características mais marcantes, vai se decepcionar porque, desta vez, Furtado quis realizar algo menor, mais minimalista e até contemplativo, o que pode ser notado pelas poucas locações e pelo elenco reduzido. O resultado é um filme menos surpreendente e instigante, que pode dividir opiniões.

A história gira em torno de João (Vladimir Brichta), um fotógrafo bastante exigente que está com a carreira em declínio. Um dia, ele resolve ir ao interior do Rio Grande do Sul para fotografar jovens aspirantes a modelo para encontrar uma que tenha uma beleza diferente da maioria para levá-la para trabalhar em São Paulo. A sua busca parece ter chegado ao fim quando ele conhece Maria (Vitória Strada), que tem uma grande vontade de ganhar o mundo. Mas a menina é menor de idade e não consegue a autorização de seu pai, Pedro (Francisco Cuoco) para viajar. João resolve, então, ir à casa onde ela mora para tentar convencê-lo. Ao chegar lá, ele só encontra a esposa dele, Anita (Adriana Esteves), já que o marido e a filha viajaram para um tratamento médico. O fotógrafo decide esperar pela volta dos dois para conseguir a permissão. Durante esse tempo, João e Anita se aproximam cada vez mais e engatam um romance. Com o retorno de Pedro, João terá dois dilemas para resolver: obter a liberação para que Maria possa trabalhar longe do lar e ver até onde vai o amor recém-descoberto com Anita.

Além de bom diretor, Jorge Furtado é um roteirista de mão cheia, que sabe criar e contar histórias como poucos no Brasil. O curioso em “Real Beleza” é que seu ponto fraco está justamente no roteiro, já que a trama acontece sem grandes questões ou surpresas. O espectador vai acompanhando a trama sabendo exatamente o que vai acontecer em seguida e isso pode ser frustrante para quem deseja ser instigado no cinema. Além disso, não tem como notar a semelhança da história com, pelo menos, outros dois filmes: o americano “As Pontes de Madison”, já que seus protagonistas são também um fotógrafo e uma dona de casa, e o italiano “O Homem das Estrelas”, onde um golpista engana pessoas simples prometendo papéis no cinema com testes falsos pagos em dinheiro. É claro que há alguns momentos mais relevantes, como por exemplo a reação que João tem com uma modelo bem no início do filme. Mas Furtado não parece estar tão preocupado em fazer  um grande filme, mas sim realizar um trabalho onde a questão estética e a direção de atores sejam mais importantes. Tanto que ele prefere evidenciar as belezas naturais do interior gaúcho com as incríveis imagens captadas pelo diretor de fotografia Alex Sernambi e colocar diversas referências literárias, musicais e fotográficas que podem agradar aos amantes destas artes. Mas que podem até soar arrogantes para alguns spectadores.

Com mais uma boa atuação no cinema, provando que pode ir muito além dos personagens cômicos que o tornaram conhecido, Vladimir Brichta consegue se livrar da armadilha que é dar vida a uma pessoa não muito agradável de conviver, mas que tem boas intenções e tem sua vida mudada com uma paixão inesperadas. Sua esposa na vida real, Adriana Esteves, também se sai bem ao fazer uma mulher com gestos contidos, meio castigada com a vida rotineira que leva, mas também capaz de realizar ousadias, assim como a atriz, que faz aqui sua primeira cena de nudez frontal em sua carreira. Além disso, a química entre os dois é o que dá alguma energia ao filme. A novata Vitória Strada foi um bom achado do diretor, mas não faz nada de muito excepcional. Porém, a grande surpresa está na ótima performance de Francisco Cuoco, que humaniza as questões de Pedro, um homem que está no fim da vida e acredita que o conhecimento está acima da beleza e deseja que a filha tenha algo que seja mais do que temporário. O ator sabe que tem as melhores falas do roteiro e as aproveita para deixar ainda mais evidente o seu ótimo trabalho.

Por incrível que pareça, “Real Beleza” se tornou o filme mais controverso da carreira de Jorge Furtado. Não por imagens fortes ou politicamente incorretas, mas sim pela proposta de fazer uma obra simples, sem maiores ambições e que mostra um romance sem muitos arroubos melodramáticos. Quem embarcar na proposta pode até gostar. Mas Furtado corre um grande risco de fazer o espectador se distanciar de sua ideia. No fim das contas, ficam mais marcantes as belas paisagens e a relação do casal principal. É pouco, para o que o diretor já fez anteriormente. Mas nem por isso deve deixar de ser conferido.

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