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“Demônio de Neon” critica a superficialidade da moda de forma ousada

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Depois de chamar a atenção no Festival de Cannes com “Drive”, onde levou o prêmio de Melhor Direção em 2011, o cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn conseguiu conquistar uma legião de fãs pelo mundo afora, ávidos por assistir ao próximo trabalho assinado por ele. Refn, que já tinha chamado a atenção com os cult “Bronson” (2008) e “O Guerreiro Silencioso” (2009), derrapou feio com “Apenas Deus Perdoa”, de 2013, onde retomou sua parceria com o astro de “Drive”, Ryan Gosling, com um filme belíssimo esteticamente, porém confuso e arrastado, que acabou dividindo opiniões. Agora, três anos depois, o diretor volta a mostrar todo o seu estilo com “Demônio de Neon” (“The Neon Demon”, 2016), com uma produção requintada para mostrar o mundo da moda e a obsessão pela beleza, numa espécie de conto de fadas perverso e bizarro, mas ao mesmo tempo sedutor e atraente.

A trama acompanha a trajetória de Jessie (Elle Fanning), uma jovem do interior dos Estados Unidos que tenta a sorte como modelo em Los Angeles. Após fazer um ensaio fotográfico com Dean (Karl Glusman), a menina acaba chamando a atenção de uma grande agência de modelos por sua beleza natural, que a contrata e a coloca em trabalhos cada vez mais importantes, o que desperta a inveja de outras colegas, como Sarah (Amber Lee) e Gigi (Bella Heathcote), mas também a admiração de outras pessoas, como a maquiadora Ruby (Jena Malone). Seduzida por este novo universo, Jessie vai perdendo, lentamente, a inocência e se tornando uma nova pessoa à medida que fica mais e mais relevante no meio. Mas todo esse glamour acaba lhe cobrando um preço alto demais.

Assim como em seus filmes anteriores, Refn faz de “Demônio de Neon” um verdadeiro deleite estético, onde cada fotograma arrebata o público graças a sua beleza e originalidade, algo que reforça ainda mais a sua assinatura como diretor. Cada imagem que aparece na tela tem uma simetria muito bem pensada pelo cineasta, que mostra que sabe o quer, como poucos realizadores atualmente. Refn, aliado à diretora de fotografia Natasha Braier, cria um universo bonito apenas na aparência, mas frio e estéril, onde procura criticar a superficialidade do mundo da moda.

Além disso, a dupla realiza algumas ideias bem interessantes, como usar flashes de câmeras fotográficas para evidenciar o fascínio que Jessie exerce sobre uma certa personagem, cujos olhos ficam mais brilhantes apenas pela chegada da presença da protagonista. O figurino criado por Erin Benach e a fabulosa trilha sonora de Cliff Martinez, habitual colaborador do cineasta, também merecem destaque.

No entanto, quem pensa que “Demônio de Neon” é um filme convencional em termos de narrativa, está redondamente enganado. O roteiro, assinado pelo diretor, junto com Mary Laws e Polly Stenham, possui situações enigmáticas (como nos melhores filmes de David Lynch), que não dão respostas fáceis para o espectador, embora nem todas possuam uma resolução satisfatória. Além disso, o terço final da trama muda o ritmo do filme drasticamente e passa a ter um aspecto bem semelhante de uma obra de terror. Assim, o cineasta não poupa o público e apresenta cenas bem chocantes e surpreendentes que podem desagradar àqueles mais sensíveis e de estômago fraco. Mas quem embarcar na proposta ousada de Refn certamente não vai ficar indiferente ou mesmo decepcionado com que é mostrado na telona.

À frente do elenco, Elle Fanning, que substituiu Carey Mulligan, está ótima como Jessie e transmite bem a ingenuidade da personagem e sua gradativa mudança de personalidade, mostrando que, embora seja inexperiente, não é totalmente boba. A atriz, na época das filmagens com 16 anos, revela com sua atuação que não é mais uma criança e que está disposta a voos mais altos em sua carreira. Jena Malone prova que, como Ruby, também é capaz de encarar desafios que poucos artistas seriam capazes de fazer no cinema e protagoniza uma das cenas mais marcantes e bizarras do filme com incrível competência.

Keanu Reeves, que no filme vive Hank, o dono do hotel onde Jessie mora, consegue, assim como foi em “O Dom da Premonição” (2000), realizar uma ótima performance como um personagem grosseiro e, às vezes, ameaçador. Já Karl Glusman e Christina Hendricks, que no filme vive a diretora da agência que contata a protagonista, pouco têm a fazer com seus papéis. Abbey Lee e Bella Heathcote, pelo menos, têm a chance de se destacar como as modelos plastificadas e obcecadas pela beleza.

“Demônio de Neon” é o típico filme “Ame-o ou deixe-o”, já que ele não foi feito para todos os gostos. A produção encanta pelo seu apuro estético, mas pode causar repulsa pela maneira radical encontrada pelo diretor para contar a sua história. Mas não há como negar que essa é uma verdadeira obra cinematográfica, que merece ser vista na maior tela possível e com um som mais do que apurado. No fim das contas, o filme é uma experiência audaciosa que vai ficar na memória do espectador após o seu desfecho por um bom tempo. Para o bem ou para o mal.

Filme: Demônio de Neon (The Neon Demon)
Direção: Nicolas Winding Refn
Elenco: Elle Fanning, Jena Malone, Christina Hendricks, Keanu Reeves
Gênero: Drama/Suspense/Terror
País: EUA/França/Dinamarca
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Califórnia Filmes
Classificação: 16 anos

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