O cineasta Rodrigo Mac Niven, que já realizou filmes como “O Estopim” (sobre o caso Amarildo) e “Cortina de Fumaça”, lança nos cinemas mais uma obra que promete causar bastante polêmica. No thriller político “Olympia 2016”, o diretor mistura realidade e ficção ao mostrar uma cidade fictícia (claramente inspirada no Rio de Janeiro) e seus políticos corruptos e privilegiados pela grande concentração de poder nas mãos.
O filme começou a ser feito durante o Congresso Internacional Anticorrupção em Brasília, em 2012, quando começou a colher os primeiros depoimentos sobre o tema. Dois anos depois, ele retoma as filmagens quando conheceu o advogado Jean Carlos de Novaes (que interpreta a si mesmo na parte ficcional), que lhe revelou uma teia de corrupção que se inicia no final do século XIX, com a grilagem de terras na Barra da Tijuca e chega aos bastidores da construção do campo de golfe olímpico em 2016, que causou o despejo dos moradores da Vila Autódromo, na Zona Oeste carioca.
Com um orçamento obtido através de financiamento coletivo, Mac Niven entrevistou moradores da Vila Autódromo, além de acadêmicos como o americano Andrew Zimbalist, da Smith College, em Boston (EUA) e o jornalista esportivo Juca Kfouri, sobre as questões envolvendo os bastidores da corrupção durante as obras dos Jogos e o tão falado legado olímpico.
Em entrevista à Revista Ambrosia, o diretor revela como foi fazer “Olympia 2016”, como ele vê o Rio pós-Olimpíadas e a criação de quadrinhos que vão expandir a história.
– De onde surgiu a ideia de fazer o “Olympia 2016”?
Rodrigo Mac Niven: Eu comecei em 2011, 2012… Pesquisando sobre o tema corrupção. Foi num congresso em Brasília, até mostrei isso no filme porque o filme é uma metalinguagem do próprio filme. Foi uma forma da gente poder fazer um pouco de ficção dentro das nossas possibilidades. Em 2012, essa pesquisa para porque eu começo a fazer outros projetos. Isso fica guardado por dois anos.
Em 2014, eu conheço o Jean, que é o advogado do filme, e ele me conta uma história sobre esse terreno na Barra da Tijuca que envolvia corrupção, decapitação de cabeças, grilagem de terras, assassinato… Isso daria um filme, só essa história. E aí, eu pensei: vou pegar essa história, vou juntar com aquela pesquisa que eu estava fazendo, e vamos fazer uma história ficcional, documental, com o objetivo de trazer mais público, mais audiência para essa discussão, para que a política não fique reservada a grupos fechados.
E acho que hoje vivemos esse momento que as pessoas foram forçadas a falar mais de política, por tudo que aconteceu. Então, vem essa ideia de fazer esse filme ficcional documental em 2014, com Copa do Mundo, Olimpíadas na cidade, muito dinheiro chegando, o Brasil sendo visto pelo mundo inteiro, as promessas de que muitas coisas iriam acontecer, a gente vendo os estádios sendo construídos, milhões e bilhões sendo gastos… E aí vem a indignação, vem a vontade de querer contribuir nesse debate todo. E nada como um filme para trazer toda essa discussão. E aí, a gente parte para a segunda etapa, que é captar um novo material para juntar com o material antigo para fazer essa narrativa.
Quando a gente foi fazer as pesquisas, não era nenhuma novidade que todas essas promessas que outras cidades que tinham sediado esses megaeventos já tinham passado. E aí, o “Olympia 2016” vem como uma metáfora de todas as cidades, qualquer cidade que é submetida a esse sistema em que se utiliza desses jogos, desses grandes eventos, como uma grande vitrine para um grupo específico de pessoas, entre as mais diversas áreas, ganhar muito dinheiro.
E é o que a gente está vendo hoje. No início, quando muita gente falava que “vai ser ótimo, lindo, maravilhoso! Nossa cidade vai ser outra com tudo isso”. Hoje, a gente está vendo que não é bem assim a história. Então, o “Olympia” vem com essa ideia de ser uma metáfora, um símbolo. E ainda há por trás a mitologia que eu criei porque a gente gosta de fazer filmes e contar histórias! (Risos)
– Você trabalhou com o Jean na parte ficcional. Como foi para você trabalhar na direção de um não-ator? Foi uma experiência nova para você?
R M: De certa forma, sim. Porque em muitos trabalhos que a gente faz, fora cinema ou publicidade, você acaba tendo que trabalhar com pessoas reais contando suas histórias. É claro que a gente deu um passo adiante. Trouxe uma pessoa que não é um ator para interpretar ele próprio dentro de uma história que é real, mas num contexto que não é tão real. A relação dele com a esposa não é real, mas resolvemos trazer um certo drama porque é normal isso acontecer. A forma que a gente se conheceu (no filme) não foi daquele jeito. Criamos uma outra cena, mas foi para trazer mais emoção para a parte ficcional. Foi um desafio enorme dirigir um não-ator.
– Como foi que você conseguiu obter as informações para você elaborar a parte documental e de ficção do filme?
R M: O processo foi muito como eu gosto de fazer, que é muito livre, muito fluido. Fui entrando em contato com muitas pessoas que estavam falando sobre esse assunto há muito tempo, como Raquel Rolnik (Professora da Faculdade de Arquitetura de São Paulo, urbanista e relatora especial para o Direito à Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos da ONU por 6 anos ), Vladimir Safatle (Filósofo e professor da USP), Orlando Junior (do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas)… Então, quando você vai conhecendo essas pessoas, conversando com elas, você vai montando a ideia que você quer passar no filme.
Foi difícil no sentido que são pessoas ocupadas, pessoas que a gente teve que batalhar para ter acesso. O contexto também dificulta um pouco. As pessoas ficavam muito receosas, de certa forma. “Do que é que esse filme vai falar?”, “O que é corrupção, que é um fenômeno tão complexo?”, “Será que vai ser uma discussão rasa?”… Então, acho que tudo isso fez com que a parte documental fosse um grande desafio. A gente, felizmente, teve essas pessoas que se dispuseram a falar. A gente ficou muito feliz por isso. Tiveram outras que não quiseram falar, beleza. Mas acho que foi muito por causa deste contexto de bipolaridade, um pouco de intolerância entre as pessoas.
– Qual é a sua visão do Rio pós-Olimpíada?
R M: O Rio começou a ficar uma cidade bem cara, bem excludente antes (da Olimpíada). Quem estava acompanhando isso, já imaginava assim, de certa forma. Eu mesmo não sabia os detalhes de outras cidades. Eu acho que toda crise é o melhor momento de mudança. Talvez agora, caindo a cortina de fumaça dos Jogos, do nacionalismo, as pessoas comecem a entender mais como o sistema funciona. Porque todo mundo tem uma ideia de que a corrupção está aí, tem um monte de gente corrupta.
Mas como é que essas coisas acontecem? Porque elas acontecem lá na concepção do megaevento, com pessoas que estavam interessadas em certas coisas, e a gente vai sendo levado por uma propaganda, um discurso… Então, tomar esse tapa na cara é bom. Por isso a nossa escolha de um discurso tão contundente e com indignação. Porque a gente acorda. Ou não. Supõe-se que é um primeiro passo para haver qualquer mudança, enfim. É uma primeira percepção de que, caramba! Estou num sistema em que eu estou sendo enganado. Então…
– Uma das melhores partes do filme é o desfecho, onde você deixa clara uma honestidade no discurso final, algo que não acontece na vida real. Mas você acha que as pessoas conseguem ver que alguma coisa não está correta?
R M: Eu espero que sim. Eu espero que o incômodo seja a primeira sensação, porque acho que muita gente foi levada a acreditar nesse discurso, a massificação é enorme. Quem não está atento ao que está acontecendo, acaba sendo levado mesmo. É chato ser chato. É chato ser o cara que diz que não vai ser bem assim, não.
Espero que as pessoas fiquem mais espertas desta vez. Fiquem um pouco mais atentas à vida política e percebam o quanto isso vai afetar a vida delas. Como é que vai ser a cidade depois? Não sei. Eles estão maquiando tudo agora e não estão conseguindo. O pessoal foi embora da vila dos atletas porque estava faltando coisas. Essa é a primeira percepção de que a pessoa pode dizer: “Fui enganado. Mas tudo bem, fui levado. Agora não serei levado de novo. Agora vou prestar mais atenção nisso daí”. Acho que esse foi o maior legado desta confusão que já foi a Copa e as Olimpíadas.
– Como foi o custo da produção?
R M: Eu posso dizer que o “Olympia” foi uma ideia, não só um filme. Ele foi feito por uma quantidade de pessoas que se doaram, com o tempo que tinham, recebendo valores simbólicos pelos seus trabalhos. São profissionais de cinema, de finalização, de trilha sonora, de computação gráfica, que entraram no projeto por uma percepção da importância e da ousadia de fazer uma coisa diferente com os recursos que a gente tem. Eu acho que isso, por si só, é muito simbólico porque coloca na prática o que o nosso discurso quer passar, que é mostrar o que é essa tal de democracia, que é nossa visão de ver o mundo, que é horizontalmente se ajudar, colaborar por alguma coisa maior do que dinheiro, uma coisa que tenha maior importância do que se entende de sucesso, do que uma estética que as pessoas querem ver ou deixar de ver.
Isso é muito gratificante e a gente quer perpetuar a ideia e fazer mais filmes assim. A gente fez um orçamento aberto que vai estar disponível na internet para todo mundo ver quanto custou, quem ganhou quanto, quem não ganhou, quem abriu mão de ganhar e que, se eu não me engano (o orçamento) ficou em torno de R$ 90 mil, sendo que a gente arrecadou R$ 85 mil, uma parte ficou para o Catarse e, na verdade, tínhamos um pouco mais de R$ 70 mil. Tive que botar um pouco mais, até porque no meio do caminho tinha muita gente ajudando, liberando imagens. Foi uma grande experiência e acho que também ficou como legado do filme.
– Você também vai fazer quadrinhos do filme. Como vai ser isso?
R M: Os quadrinhos foram mais uma arte que veio no meio do processo. Não era uma coisa que tinha sido pensada antes. A história da mitologia, da asa, da Demokrácia (a estátua que ilustra o cartaz do filme), isso tudo foi sendo criado, foi vindo. Até que um dia, a gente pensou: “Cara, a gente tem braço para fazer isso? Tem fôlego para fazer isso? Tirar o Cristo (Redentor) e colocar a Demokrácia?”.
Isso tudo é um trabalho, precisa de gente. Isso foi acontecendo e, no meio do processo, a galera da Quadrata, que fez algumas artes da pós-produção pensou que poderiam fazer quadrinhos da história. Eu fui criando a mitologia, a galera foi se empolgando e decidimos fazer. E aí, virou mais um filhote dessa ideia. É claro que a gente não tinha como mostrar a mitologia de Olympia no filme, porque senão seria outro filme. Mas a gente vai fazer um quadrinho e, quem sabe, fazer uma graphic novel para detalhar a história da mitologia e, quem sabe um dia, fazer um outro filme.
– Quais são seus próximos projetos?
R M: Além dos quadrinhos, a gente está trabalhando em outro filme chamado “Tribunal de Rua”, totalmente ficcional, que vai falar sobre justiçamento, Apartheid social nas grandes cidades, justiceiros dos bairros… Já está com o roteiro escrito, só que a gente não vai ficar esperando nada. Vamos fazer por esses caminhos mais independentes para poder finalizá-lo.
Confira o trailer de “Olympia 2016”:
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