Quando foi lançado em 2014, um dos momentos de “Capitão América 2: O Soldado Invernal” que mais deixou os fãs dos quadrinhos da Marvel entusiasmados foi ter o nome de Stephen Strange citado entre as pessoas consideradas perigosas e monitoradas pelos agentes da Hidra (organização terrorista que era, no fim das contas, a grande vilã da história) que conspiravam dentro da Shield.
Isso deixou muita gente com uma grande expectativa, já que deixava claro que a Marvel Studios queria também transpor para o cinema o personagem criado por Stan Lee e o lendário desenhista Steve Dikto (a dupla responsável pelo inigualável Homem-Aranha) em 1963, assim como seu universo cheio de misticismo e elementos fantásticos, bem mais surreais do que havia sido apresentado até então, com os filmes de heróis, como os do Sentinela da Liberdade, o Homem de Ferro, Thor, entre outros, assim como os que os unia nas (até agora) duas aventuras dos Vingadores.
Assim, quatro anos depois, finalmente chega “Doutor Estranho” (“Doctor Strange”, 2016), com toda a pompa e circunstância que o Mago Supremo merece, já que é um personagem respeitado entre os leitores, mesmo não sendo o rei da popularidade nos quadrinhos (título que ainda pertence a Peter Parker e seu alterego aracnídeo), a primeira super produção a transpor seu universo para a telona.
Mais uma vez, a Marvel Studios se sai bem ao adaptar um herói pouco conhecido, como fez com “Guardiões da Galáxia” e “Homem-Formiga”, graças a uma boa direção, excelentes efeitos visuais e, principalmente, com a escolha de um elenco irrepreensível. O filme, no entanto, comete alguns pecados que, embora não comprometam a diversão, o deixam um pouco abaixo do seu potencial e quase o tornam apenas mais um blockbuster dentre os muito lançados este ano. Felizmente, a força de sua estética e de seu protagonista fazem com que a produção seja um pouco mais memorável que vários candidatos a arrasa-quarteirão.
A trama é centrada no inteligente e habilidoso Stephen Strange (Benedict Cumberbatch), um neurocirurgião tão brilhante quanto esnobe e arrogante, que tem sua vida mudada após um grave acidente de carro. Ele perde o controle de suas mãos, cujos nervos são abalados por causa disso e o médico acaba inapto para fazer coisas simples, como segurar um bisturi. Amargurado por não poder mais trabalhar, mesmo com o apoio de Christine Palmer (Rachel McAdams), sua companheira de trabalho e ex-namorada, Strange começa a procurar diversos tratamentos para se curar.
Em sua jornada, acaba indo parar num lugar misterioso conhecido como Kamar-Taj, comandado pela Anciã (Tilda Swinton), onde passa a aprender artes místicas, junto a outros discípulos, como Mordo (Chiwetel Ejiofor), e começa a ter contato com um universo mágico, que desafia as leis da ciência que ele tanto admira. Aos poucos, Strange mostra ser capaz de se tornar um grande mago, ao mesmo tempo em que tem que lidar com Kaecilius (Mads Mikkelsen), um ex-pupilo da Anciã, que decidiu se voltar para as forças do mal. O médico, então, precisará decidir se retorna à sua vida anterior, ou deixa tudo para trás e enfrenta o perigoso feiticeiro que tem planos que podem destruir a Terra.
O que salta aos olhos em “Doutor Estranho” é a maneira encontrada para mostrar o mundo espiritual por onde transitam a maioria dos personagens da trama. Com imagens inacreditáveis e bastante psicodélicas, o filme é arrebatador neste aspecto, especialmente nas sequências em que Strange é transportado para essa nova realidade. Desta vez, a Marvel Studios conseguiu o utilizar o 3-D de forma bem impactante, trabalhando muito bem a profundidade de campo e a perspectiva e é, realmente, um dos principais destaques do filme, cuja referência mais imediata é “A Origem”, de “Christopher Nolan”. Mas não se engane, pois não se trata de uma cópia barata e as cenas têm, sim, sua personalidade.
O diretor Scott Derrickson, de produções como “O exorcismo de Emily Rose” e “Livrai-nos do mal”, que também escreve o roteiro ao lado de Jon Spaihts e C. Robert Cargill, mostra bastante segurança para conduzir tanto as cenas de ação quanto as mais dramáticas da história, mantendo o interesse do espectador, mesmo nos momentos em que o filme parece parar para explicar ao público o que está acontecendo diante de seus olhos. Porém, nem tudo funciona às mil maravilhas porque o texto, preocupado em se tornar agradável para todos, exagera um pouco ao colocar piadas demais (embora algumas sejam realmente muito boas), o que acaba deixando alguns momentos um pouco infantis demais. Um bom exemplo disso é quando surge a famosa capa da levitação do herói, que chega a realizar ações dignas de cinema pastelão, desnecessariamente. Algo que pode causar algum aborrecimento para parte dos espectadores e isso nunca é bom.
Os efeitos especiais, embora sejam impressionantes durante boa parte do tempo, nem sempre funcionam. Há momentos em que é possível ver que os atores são substituídos por computação gráfica pouco trabalhada para parecer natural e facilmente percebida até mesmo por alguém que pouco se importa com esses detalhes. O compositor Michael Giacchino, embora faça uma boa trilha sonora, parece que resolveu plagiar a si mesmo, já que alguns trechos da música lembram bastante o trabalho (infinitamente superior) que havia feito na franquia “Star Trek”. Mesmo assim, a parte técnica num todo é um ponto positivo.
Além do visual, o que torna “Doutor Estranho” acima da média é o seu elenco. Benedict Cumberbatch parece ter nascido para viver Stephen Strange, tanto no visual quanto na personalidade, tornando convincente o sofrimento do médico por não poder mais operar, assim como a nobreza de seu protagonista, já que seu carisma consegue até fazer com que sua arrogância não seja vista como um grave defeito e faz o público torcer por ele em sua jornada. Rachel McAdams mostra mais uma vez sua segurança como atriz e faz com que Christine não seja uma simples mocinha, tendo peso e importância num momento do filme.
Chiwetel Ejiofor, infelizmente, não tem muito o que fazer com Mordo, até porque o roteiro descaracterizou bastante o clássico personagem dos quadrinhos. Mads Mikkelsen parece estar se especializando em fazer vilões e, com Kaecilius, o ator obtém mais uma ótima performance, tornando-o um bom adversário para o herói. Assim como Eijofor, Bennedict Wong sofre um pouco com a mudança de características de seu Wong, servindo mais para ser um alívio cômico do protagonista.
Mas quem rouba todas as cenas que aparece é Tilda Swinton como a Anciã. Uma das maiores polêmicas do filme – já que o sexo da personagem foi trocado em relação aos quadrinhos – é esquecida logo que a atriz surge com sua serenidade e, ao mesmo tempo, imponência, que a torna um dos maiores e mais memoráveis destaques do filme, provando que Tilda é uma das mais interessantes artistas de Hollywood, seja em grandes produções quanto em obras menores.
“Doutor Estranho” está longe de ser o melhor filme da Marvel Studios. Mas, ainda assim, tem um saldo bastante positivo porque apresentar para o grande público uma proposta mais metafísica do que se costuma ver em filmes baseados em quadrinhos não é fácil e o resultado final é bastante agradável, especialmente por realizar uma boa jornada do herói. Só não precisava se preocupar em ser tão engraçadinha sem necessidade, para seguir o estilo das produções anteriores. Afinal, Stephen Strange tem tudo para ser um dos mais importantes personagens da Fase 3 do Universo Cinematográfico Marvel. Que o Olho de Agamotto o ajude em suas próximas cruzadas.
Ah, sim!!! Há duas cenas extras durante os créditos e mais uma hilária ponta do grande Stan Lee!!!
Filme: Doutor Estranho (Doctor Strange)
Direção: Scott Derrickson
Elenco: Benedict Cumberbatch, Chiwetel Ejiofor, Rachel McAdams, Benedict Wong, Benjamin Bratt, Mads Mikkelsen e Tilda Swinton
Gênero: Ação/Aventura
País: EUA
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Disney/Marvel Studios
Duração: 1h 55 min
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