“Prospect”, ficção científica dirigida por Zeek Earl e Christopher Caldwell foi o filme de abertura da edição 2019 do Fantasporto, o Festival Internacional de Cinema do Porto que traz o melhor do cinema inventivo, do Terror à Ficção Científica passando Fantasia .
Passado num futuro não especificado, nossos protagonistas vivem em uma pequena espaçonave atrelada a uma grande base satélite. Pai e filha, mercenário e aprendiz, vivem vagando órbitas em busca de serviços encomendados para assim ganharem dinheiro.
O pai, Damon (interpretado por Jay Duplass, diretor de muitos filmes independentes e um dos criadores da série “Room 104”) é viciado em um tipo de droga e usa sua filha como acompanhante em suas desventuras, cego pelo vício e determinado pela ganância.
A filha, Cee – interpretada por Sophie Thatcher, da série “O Exorcista” – é uma jovem atada aos desígnios inconsequentes do pai e demonstra ter acumulado conhecimentos e saberes ao longo dessas missões, exibindo responsabilidade, inteligência e maturidade desde a primeira cena, quando parece estar calculando rotas e decifrando códigos matemáticos.
Nada é “overexplained” no filme. Os diretores contam com a inteligência, a imaginação e a capacidade do público de dedução e aproximação de realidades. Não precisamos saber que tipo de droga o pai toma, qual o ano em que estão, ou outros muitos detalhes que com certeza levariam horas num filme do Christopher Nolan sendo expostos minuciosamente para o espectador.
É possível entender os acontecimentos do filme mesmo que fiquem lacunas científicas. Até porque uma das maiores preocupações da trama está centrada nas relações humanas, nas estratégias de sobrevivência, nas soluções pragmáticas para resolver problemas, etc.
A relação dos dois, pai e filha, nos é mostrada de maneira bastante deteriorada desde o início. Damon parece um tanto amargo e ressentido, possivelmente desde a morte da mulher, assunto sobre o qual também não se fala. Compreendemos que em algum momento a mãe de Cee morreu e isso basta. Sem conversas longas ao pé do fogo, sem olhar para fotografias 20 vezes, enfim.
Quando chegam num novo planeta, chamado “carinhosamente” de Green, um lugar que parece uma Terra hostil à presença de seres humanos, mas ainda hospitaleira a plantas e seres menos destrutivos, alguns acontecimentos inesperados e o encontro com outros personagens, os forçam a replanejar estratégias e se adaptar a uma convivência indesejada.
Um destes personagens é Ezra, interpretado pelo maravilhoso Pedro Pascal, das séries “Narcos” e “Game of Thrones”, um homem que fala em forma quase poética, quase como um personagem shakespeariano.
Claramente independente e produzido com baixo orçamento, “Prospect” conta com alguns efeitos visuais lindíssimos, mas em sua maior parte, usa de uma escala humana, centrando-se em pequenos detalhes capazes de nos informar e nos contextualizar. É um desses trabalho de arte que parece ter sido feito numa garagem, misturando peças e elementos e roupas de várias possíveis referências, com marcas de tempo vivido, dando ainda mais realidade a ambientação da ficção científica.
Um dos maiores elogios que posso fazer é a comparação com filmes como Alien, o passageiro, no qual sabemos que estão numa espaçonave, porém não há nada de clean ou perfeito ou branco e iluminado. Na falta de uma melhor palavra, é um cenário “sujo”, “gasto”.
Esse filme me fez pensar em tudo que “Depois da Terra” não é: inteligente, criativo, original. Na restrição e na simplicidade de determinadas soluções, ganhamos a possibilidade de nos concentrar no que realmente interessa: a história. Muitas situações surpreendem, mostrando que ainda é possível escrever roteiros não clichê nesse mundo.
Bom, é isso, um filme muito bom, cheio de pequenos detalhes visuais criativos, cheio de pequenos tesouros nos diálogos e interações entre personagens e cheio de situações inusitadas. Um filme sem sentimentalismo barato e sem super explicações. Em resumo, nesse mar de filmes hollywoodianos redundantes, uma bênção e uma exceção.
Assisti, gostei, recomendo. Parece que atuar está de volta e não superheróis chorões ou piadistas sem menor noção.