Cá estou eu de novo atrasada pro rolê. Foi só após o triunfo da minissérie nos prêmios Emmy e no Globo de Ouro que eu decidi dar uma chance para “Bebê Rena”. Sabe como é, com tantas opções no streaming, preciso de uma chancela para saber quais produtos audiovisuais merecem minha atenção. E, como sou Old School, meu tipo de chancela são premiações. E o hype é merecido: trata-se de uma minissérie ímpar em seu tema e execução.
Há seis meses, Donny (Richard Gadd) vem sendo perseguido por uma mulher, Martha (Jessica Gunning), com quem foi simpático num momento de vulnerabilidade. Donny é um comediante frustrado que trabalha num bar. Martha diz que é uma importante advogada que de alguma forma consegue passar horas no bar dele, jogando conversa fora. Logo começam os e-mails, dezenas deles enviados diariamente. E então os comentários nas fotos do Facebook. Ela sempre o chamando de “seu bebê rena”. Martha é uma stalker condenada, Donny descobre, mas ele não consegue colocar um ponto final na estranha “relação” que eles têm.
Com razão você se perguntaria por que Danny ficou dando trela para Martha em vez de cortar o mal pela raiz. O motivo fica claro com o andamento da minissérie: Martha faz Danny se sentir especial. Em pouco tempo ele ficou tão obcecado por ela como ela era por ele.

Donny também não é nenhum santo: ele está saindo com Teri (Nava Mau), uma mulher trans que ele conheceu num site de namoro. Ele diz a ela que se chama Tony… e ele está completamente apaixonado por Teri.
A sensação que Donny e nós temos quando ele finalmente procura a polícia é de impotência. A burocracia impede a resolução do caso e Donny é julgado e tratado mais como culpado do que como vítima. O mesmo acontece quando Martha começa a perseguir os pais dele e a polícia não faz nada porque o mandado de distância se refere a ele e Martha, e não aos pais dele.
Muito foi dito e escrito sobre Richard Gadd se expor ao contar essa história extraordinária tirada de sua própria vida. Ao longo de anos, a Martha da vida real mandou mais de 41 mil e-mails para Richard Gadd. O caso de maior e mais impactante exposição, contudo, acontece no episódio quatro, que é um flashback sobre uma violência sexual que ele sofreu cinco anos antes de conhecer Martha, nas mãos de um roteirista mais velho que lhe servia como mentor. É fácil julgar as muitas péssimas decisões tomadas por Donny / Richard, mas nos colocar no lugar do protagonista é a postura radical que a minissérie nos pede para tomar.

Provavelmente como catarse, Richard Gadd transformou sua experiência com a stalker em uma peça, um monólogo para ser mais precisa, que foi apresentado em Edimburgo e Londres. A minissérie tem a louvável característica de ter sido dirigida apenas por mulheres: foram quatro episódios dirigidos por Weronika Tofilska e os outros três por Josephine Bornebusch.
Embora Jessica Gunning esteja ganhando todos os prêmios por sua performance como Martha, e mereça os louros da vitória, queremos aqui dar destaque à atriz trans mexicana Nava Mau. Aliás, ela não é só atriz: é também diretora, produtora e roteirista, tendo assumido papel quádruplo em frente e atrás das câmeras no curta “Waking Hour”, de 2019. Tanto na sua Cidade do México natal quanto nos Estados Unidos, ela vem apoiando projetos sociais e trabalhando para dar voz às experiências de pessoas em geral marginalizadas.

Só depois de expor sua fragilidade e confrontar quem lhe fez mal, Donny alcançou o sucesso. O mesmo pode ser dito sobre Richard Gadd. Numa minissérie que incrivelmente nos faz sentir pena tanto do abusado quanto do abusador, a lição para aqueles em dificuldades é ensinada no último episódio: saber que eles não conseguiram nos destruir é um sinal de que vencemos.
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