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Festival do Rio: A consistência das lacunas de “O Abismo Prateado”

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“Olhos nos olhos quero ver o que você faz, ao sentir que sem você eu passo bem demais”

Os versos passionais de Chico Buarque na emblemática Olho nos olhos inspiraram o novo filme do cineasta Karin Aïnouz, O Abismo Prateado, que concorre na seleção Premiere Brasil, do Festival do Rio 2011.

Na verdade trata-se de um projeto do produtor Rodrigo Teixeira, que detém os direitos audiovisuais de algumas das mais importantes músicas de Chico, como no irregular programa televisivo Amor em 4 Atos, que foi ao ar em dezembro na TV Globo. Dessa vez, para dimensionar a letra numa adaptação cinematográfica, o produtor convidou o cineasta, que deu a sua lacônica e um tanto poética interpretação.

A trama se passa em 24 horas e acompanha a dentista Violeta (Alessandra Negrini, entregue), que é repentinamente abandonada pelo marido (Otto Jr), sem qualquer tipo de explicação. Atordoada, ela vaga sem rumo pela cidade, interagindo com desconhecidos madrugada adentro por uma caótica Copacabana, bem distante dos cartões postais.

Karin, um poeta das imagens, que trouxe humanidade à mítica figura de Madame Satã, no filme homônimo de 2002, e transcendeu um microcosmo árido e idiossincrático ao universalizar Suely e seus anseios em O céu de Suely, mais uma vez faz um brilhante trabalho ao trazer uma interpretação muito própria e original à curva dramátiva da canção, dando forma a desolação de uma abandono e inserindo pistas de uma esperança muito mais justificada que propriamente ilustrada.

Talvez o filme até cause estranhamento pelos longos planos que demonstram o hiato que Violeta se sente depois desse fim de relação. Mas é na letargia dessa instituição que o cineasta quer que entremos no estado de espírito de sua personagem. Uma relação psíquica entre nós, espectadores e ela. Isso é de uma ousadia estética e (por que não?) conceitual arrebatadora.

Até quando esboça um fiapo de solução, sua câmera opta pela melancolia. Melancolia da felicidade? Pode ser. E, quando ficha cai – para ela e, lentamente, para nós – o filme, assim como a canção chega ao fim. O “quero ver como suporta me ver tão feliz” da versão de Karin é tão em aberto quanto a sensação que Chico passa pelas suas melodias. É um filme estranho… Mas isso no bom sentido, afinal, quer algo mais estranho que o processo de despertencimento?

[xrr rating=4/5]

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