Quando houve o levante das mulheres nos anos sessenta queimando sutiãs, exigindo direitos iguais, paralelamente aos negros nos EUA, provavelmente as ativistas mais aguerridas não poderiam imaginar que hoje, passadas cinco décadas, pouca coisa melhoraria não só em relação aos direitos, mas à própria liberdade feminina. Daí, a cineasta francesa Catherine Corsini elaborou seu “A Bela Estação” (“La Belle Saison”, França/2015) como uma alegoria denunciativa mostrando uma história passada nos anos 70, com mulheres que lutam pela liberdade exatamente como no século XXI.
Aos 23 anos, Delphine (Izia Higelin) é filha de fazendeiros trabalha com a terra mas sente que lhe falta algo mais. Ela vai a Paris e lá conhece Carole (Cécile De France), uma ativista do movimento feminista que a leva para as reuniões sobre a causa. Delphine que já havia tido experiências homossexuais, explicita seu interesse por Carole, a princípio hesitante. Porém, a doença que acomete seu pai obriga Delphine a retornar ao campo. Carole passa a visitá-la constantemente, levando seu espírito libertário para a pequena fazenda.
Como na maioria das histórias de romance entre iguais mostradas na ficção, há a parte que se sente confortável no processo, no caso Delphine, e a parte que custa a se descobrir, até renegando no início, o caso de Carole. Portanto, a interessante reviravolta se dá quando Delphine, se vendo obrigada a tocar os negócios da família, retrocede, enquanto Carole se torna cada vez mais apaixonada e convicta de sua orientação sexual. A diretora até cogitou ambientar a trama nos dias atuais, mas por conta de toda a celeuma em torno do avanço legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo, inclusive na Europa, ela sentiu receio de seu filme se resvalar na caricatura e tomou a decisão de que a história se passaria nos anos 70, no auge da luta feminina por seus direitos. Uma sábia decisão.
Apoiada em uma belíssima fotografia, com planos de plástica ímpar, e uma ótima trilha sonora de época, ela contrói um libelo contra a opressão e a ignorância. É hilário o momento em que Carole mente de forma debochada e sagaz para a mãe de Delphine, dizendo que as duas se conheceram em um curso de cerâmica para mulheres. A questão da liberdade abordada por meio dos temas homossexualismo, aborto e direitos femininos na verdade se expande a todos os seres humanos , inclusive cai como uma luva nesse momento delicado em relação à questão imigratória na Europa.
Embora pertinente, o feminismo e o homossexualismo são temas que sem o devido cuidado podem derrapar no estereótipo, armadilha na qual Catherine Corsini felizmente não caiu. Lançando mão de personagens bem construídos e uma direção precisa, a cineasta nos entrega um ótimo exemplar da nova safra do cinema francês deixando claro que apesar de uma forte guinada comercial dos últimos anos, o grande cinema francófono ainda resiste.
Comente!