É impossível assistir a “Peterloo”, novo filme do diretor inglês Mike Leigh, e não enxergar ali uma alegoria crítica ao Brexit. De um lado, a luta para a mantença do status quo e do outro a luta inglória de alguns bravos das camadas populares para evitar a continuidade ou agravamento da injustiça.
A aula de história ministrada por Leigh remonta o episódio do que ficou conhecido como o massacre de Peterloo. Um retrato épico dos eventos que ocorreram na Inglaterra em 1819, onde uma pacífica reunião pró-democracia no Campo Saint Peter, em Manchester, se transformou em um dos episódios mais sangrentos e notórios da história britânica.
O incidente viu as forças do governo britânico investirem contra uma multidão de mais de 60 mil pessoas que se reuniram para exigir reformas políticas e protestar contra os níveis crescentes de pobreza. Muitos manifestantes foram mortos e centenas de outros feridos, provocando uma onda de protestos em todo o país, e também mais repressão do governo.
O Massacre de Peterloo (nome dado em associação à batalha de Waterloo, em que a França de Napoleão foi derrotada, quatro anos antes) foi um momento decisivo na democracia britânica que também desempenhou um papel significativo na fundação do jornal The Guardian. Com um fato histórico tão importante, e certamente pouco conhecido fora do Reino Unido, Leigh desenvolve seu projeto mais ambicioso e bem acabado.
Poucas reconstituições históricas foram tão perfeitas como essa empreendida pelo diretor de “O Segredo de Vera Drake” e “Simplesmente Feliz”. Há um certo didatismo, inerente a tramas que reconstituem fatos históricos, mas é compensado pelo apuro com que é realizada construção do contexto.
Além de um elenco irretocável – que conta com Rory Kinnear, Maxine Peake e Robert Wilford – a produção conta com a primorosa fotografia de Dick Pope (colaborador de longa data de Leigh), que remete a gravuras pintadas no período em que se passa a história, uma direção de arte monumental e um robusto trabalho de edição. A cena do massacre é grandiosa, impressionante e emocionante. Daquelas em que os olhos não piscam e a respiração fica suspensa.
“Peterloo” cumpre a função de discutir o verdadeiro sentido de democracia, nesses tempos em que a definição do termo parece ter se dissolvido de forma a gerar interpretações variadas, inclusive indo de encontro com seu conceito original. Não foi por acaso que Mike Leigh escolheu esse momento para arquitetar esse que é seu projeto mais ambicioso como cineasta.
Comente!