Adeus, Minha Rainha – Festival Varilux de Cinema Francês

Continuando a série de críticas do Festival Varilux, o filme da vez é “Adeus, Minha Rainha” (Les adieux à la reine, 2012), uma co-produção Franco esapanhola dirigido por Benoit Jaquoit e estrelada por Diane Krueger, Léa Seydoux, Virginie Ledoyen e Noémie Lvovsky, baseado no livro de mesmo nome de Chantal Thomas.

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O filme retrata três dias de julho de 1789, logo após a Queda da Bastilha, com a monarquia francesa entrando em colapso e os bastidores do palácio de Versailles, especialmente em relação a rainha Maria Antonieta (Diane Krueger) e sua suposta amante, a duquesa Gabriele de Polignac (Virginie Ledoyen). Todo o filme é baseado no ponto de vista de Sidonie Laborde (Léa Seydoux), a leitora da rainha, que escolhia os livros os quais seriam lidos para ela durante o dia. Têm-se a partir daí uma espécie de análise antropológica da monarquia francesa e de seus hábitos quando, enfrentando o desespero da possibilidade de literalmente perder suas cabeças.

As caminhadas pelos bastidores do palácio, mostrando desde o criado mais simples até os aposentos da rainha são a prova disto, mostrando que o diretor e seus roteiristas (inclusive a autora) quiseram fazer bem o uso dos murmurinhos palacianos para contar o que estava acontecendo em Paris, desde a Queda da Bastilha até a carta dos revoltosos com a lista de 289 nomes dos aristocratas que teriam suas cabeças decepadas. Diane Krueger se entrega de corpo e alma a Maria Antonieta, mostrando o porque de tanto ódio do povo contra a monarquia e o clero que, mesmo com todos os problemas econômicos do páis após as guerras que participou, ainda ficava se preocupando com bordados, roupas chiques, jantares com mais 80 sobremesas e enquanto isso, o povo literalmente tendo que comer ratos para sobreviver.

Falando em ratos, uma das cenas mais interessantes do filme traz Sidoine sentada em uma gôndola que passeia suavemente pela água, resplandecendo à monarquia e, enquanto desliza seus dedos pela superfície, encosta em um rato morto que está boiando na água, fazendo uma clara analogia a podridão por sobre o qual a monarquia e o clero estavam navegando. Ainda assim, os hábitos palacianos, mesmo com o início da revolta, se mantiveram normalmente. Porém, com a deserção de boa parte do exército, os ratos começam a abandonar o barco e, em uma decisão audaciosa, e contra os pedidos de Maria Antonieta, Luis XVI fica no palácio e tenta capitular com os revoltosos, tomando atitudes mais humildes, sabendo que qualquer demonstração de superioridade monarquica só iria inflamar os revoltosos.

Neste contexto todo, temos um filme no qual a câmera é praticamente uma acompanhante de Sidonie (Léa Seydoux), as vezes seguindo ela por corredores escuros e mal iluminados, preenchidos por serviçais e membros da nobreza palaciana cochichando sobre os acontecimentos, e as vezes parada, focando apenas nela, mostrando seu rosto marcado pelo mínimo de expressões, demonstrando a seriedade de seus atos e a parcialidade com que a mesma se dedica inteiramente a sua rainha. Para Sidonie, a rainha e a monarquia eram o que havia de mais importante e ela se dedica cegamente a causa, mesmo estando ciente de todos os fatos e situações. É como bem expressa uma personagem para ela, “ninguém sabe nada a seu respeito”. Nós não precisamos saber nada a respeito dela, o filme não é sobre ela, mas sim sobre aqueles três dias de julho de 1789. A narradora, que não é narradora, mas sim, uma mera espectadora privilegiada, mostra tudo para quem quer ver e ouvir.

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O grande mérito do filme é não se deixar levar pelas emoções. Difilmente vemos surtos emocionais em suas personagens, exceto por um momento chave, quando temos o encontro entre Maria Antonieta e Gabriele de Polignac, com uma troca de olhares, um encontro rosto a rosto e um abraço acalentador. Há apenas sutileza e delicadeza entre as duas mulheres e percebe-se que nossa espectadora privilegiada sente ciúmes de Gabriele por ter tantos favores e amores por parte da rainha, sem devolver nada, ou quase nada, em troca. Ela, Sidonie, se entrega a seus afazeres por mera liberalidade, sem querer recompensas, por puro amor e vemos que sua recompensa é praticamente uma sentença de morte, mas que mesmo assim ela segue adiante por amor e por crer nas palavras de sua rainha.

Léa Seydoux não é estranha ao público do cinema norte americano. Já a vimos no último Missão Impossível e em uma breve aparição em Bastardos Inglórios. Sua Sidonie tem poucas expressões que não de seriedade e curiosidade, apenas usando suas emoções para conseguir o que a rainha quer. Ainda assim, vemos nela uma inveja da mulher que a rainha ama, interpretada pela bela, porém inapta Virginie Ledoyen, que tem em seu currículo o fraco “A Praia” com Leonardo Di Caprio e a série XIII, mais famosos para o público em massa. Ainda assim, esta inveja não ganha força e nem expressão, apenas olhares. Diane Krueger é bela e talentosa e uma ótima escolha para interpretar a Maria Antonieta que, por mais odiada que possa ser, tem suas razões de existir, mesmo que deturpadas pela vida palaciana. A monarquia decadente é resumida nela. Não se vê, em momento algum, qualquer preocupação com o povo ou com o país, mas sim com suas riquezas e luxos. Krueger extrai um néctar de uma fruta podre e faz, pelo menos no início, que tenhamos empatia com a rainha. A câmera gosta dela e de seu rosto de expressão firme e decidido e ela faz muito bem uso de todos os closes em si.

O diretor Benoit Jaquot faz bem a transição da história para as telas, fazendo com que a câmera fosse empatica com cada um dos envolvidos e, em momentos mais vicerais, focando apenas em algum aspecto importante, evitando-se ao máximo tomadas muito abertas, criando a cada dia que se passava no palácio, a sensação de claustro e necessidade de fuga. Em um ótimo filme como este, o que se poderia pedir mais é que a trilha sonora fosse mais focada nos temas e nas personagens e talvez um pouco mais simples, deixando que o espectador tentasse se alimentar do que acontece na tela, sem a necessidade da trilha tentar expor isto. Talvez ela seja a maior falha neste filme que preza o minimalismo nos sentimentos e peca pelo excesso sensorial quando se trata da sua trilha.

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