Flee – Nenhum Lugar Para Chamar de Lar, o documentário animado sobre o exôdo de um afegão

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Uma narrativa que quer refazer uma história passada com os olhos do presente utiliza bem o modelo  “ida e volta”. E assim, é uma forma arriscada de mostrar a história de um êxodo, mas em si o cinema consegue atrair bons resultados.

Refazer os passos para exumar uma experiência, mesmo que tenha sido removida, significa reconstruí-la para comunicá-la aos outros e a nós mesmos. E no caso de um refugiado, temos uma experiência única, uma desintegração da identidade.

É por isso que testemunhar a história daqueles que conseguiram reconstruir a sua própria a partir de uma situação dessas é sublime.

Flee – Nenhum Lugar Para Chamar de Lar (Flugt, 2021) é um documentário animado do cineasta dinamarquês Jonas Poher Rasmussen, que usa de um fato único e irrepetível, que mereceu suas três indicações ao Oscar pela primeira vez na história da cinema, Melhor Animação, Melhor Documentário e Melhor Filme Internacional.

Deveria ter saído em Cannes 2020, a edição que nunca aconteceu, mas só foi apresentado no Festival de Cinema de Sundance 2021.

A história de Amin

Amin Nawabi (nome de fantasia), uma criança que fugiu do conflito no Afeganistão depois que o regime mujahidin assumiu o poder e se refugiou na Rússia e se tornou amigo do diretor dinamarquês Jonas Poher Rasmussen.

As duas situações resumem a vida pregressa do agora quase quarentão e pesquisador de Princeton, está prestes a se casar com seu parceiro Kasper e comprar uma casa no campo perto de Copenhague. O que se passa despercebido é que Amin também foi um irmão caçula, um filho dedicado, invejoso da irmã pelo tempo passado com um pai cujo destino ainda não conhece, um excelente jogador de vôlei do bairro onde morava e um adolescente apaixonado por música e pela aparência de seus colegas.

Um passado esquecido pelos seus entes queridos. Sua família, espalhada pela Europa, dividida por quilómetros e anos de silêncio, mas com a memória ainda viva e testemunha de um recorte histórico que produziu milhões de refugiados E que descobriram a contragosto como esse nome é apenas outra maneira de dizer “não existe mais”.

A animação e as cores

A maneira que foi escolhida para mostrar a história é a que melhor pode evocar na tela a jornada (e também o esforço) feito pelo narrador. A animação mostra as cores dos momentos vividos, modificando-se na passagem do tempo e dos sentimentos.

Os cinzas dos cenários russos fazem varreduras com aqueles que animam as barcaças e as vans em que os traficantes de seres humanos forçam os refugiados a se aglomerar. Um escuro do qual apenas flashes de vida “normal” riscam, como a melodia de ‘Take On Me’. Cores quentes como as da casa de Amin, onde provocava a vizinhança dançando com as roupas de uma de suas irmãs.

O que permanece constante são as características dos personagens, que só se perdem quando realmente desaparecem. Um fluxo animado intercalado com a inserção de imagens de arquivo em pontos sabiamente escolhidos, como que para nos lembrar que ainda é um documentário que tem bases no reak e, como tal, conta a construção de um passado em função da vida que o narrador agora conta. E é aí o segredo e o encanto do filme de Rasmussen, que segue seu protagonista mesmo em suas dores contemporâneas, ainda sofrendo com a desconfiança dos outros e uma desorientação típica apenas daqueles que perderam o próprio conceito de lar.

Flee – Nenhum Lugar Para Chamar de Lar não é uma história que fala da esperança de poder ressurgir de um passado que negou um lar, uma adolescência, uma sexualidade e dispersou uma família, mas é a prova de como pode continuar a sabotar o cotidiano mesmo quando se aprendeu a fugir e precisamente porque continua a fazê-lo. Não se deixa de ser um refugiado, talvez nunca recupere o conceito de pertencimento, mas pode aprender a viver sem ser mais escravo disso.

Nota: Excelente – 4 de 5 estrelas

Cadorno Teles
WRITTEN BY

Cadorno Teles

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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