"Florbela" é apenas uma cinebiografia burocrática

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O cinema português nunca teve muito espaço no circuito nacional. Por mais irônico que possa parecer, nossa língua soa alienígena quando proferida com o sotaque d’além mar. Somos mais familiarizados com o cinema espanhol, por exemplo, do que com o luso. Pode-se levantar a questão do eterno ranço da colonização, que nos faz contar piadas que colocam em cheque a inteligência dos “patrícios” como forma de vingança ideológica, e também uma certa aversão à sua produção cultural. Recentemente, porém, estreou por aqui a comédia Gaiola Dourada, um grande sucesso de bilheteria por lá. Agora chega um outro sucesso,” Florbela” (Idem/Portugal, 2012) de Vicente Alves do Ó, com um atraso de dois anos.

A trama é uma versão romantizada da vida de Florbela Espanca, poetisa portuguesa da região do Alentejo. Florbela é tão conhecida por sua vida conturbada e seus conflitos internos e externos quanto por sua obra. Ela se encaixa naquela imagem que o público em geral têm de que escritores são pessoas complicadas, sofridas e conflituosas. O filme mostra A poetisa, vivida por Dalila Carmo, não conseguindo se adaptar a uma vida de dona de casa e esposa em uma região rural. Daí se muda para Lisboa com o irmão Apeles (Ivo Canelas), para viver a efervescência máxima que se podia na realidade provinciana que era Portugal naquele final de anos 20 (que não chegava aos pés da festa de Paris, por exemplo), época em que o filme se passa. Seu marido tenta trazê-la de volta, mas Florbela sente que encontrou seu lugar. Foi na cidade que surgiu a inspiração para os seus maiores poemas. A reconstituição de época é bastante convincente, apoiada em um belo trabalho de figurinos e direção de arte competente.

Florbela-Dalia-Carmo-e-Ivo-Canelas

Não é a primeira vez que a poetisa ganha uma biografia audiovisual, já existia em Portugal uma minissérie narrando os fatos de sua vida até sua morte prematura aos 36 anos, de depressão devido à morte de seu irmão. O roteiro, também assinado por Vicente, escorrega justamente na armadilha de se ater apenas ao drama da vida da protagonista, deixando de lado fatos importantes inerentes a seu processo como escritora.
Vicente concentrou a trama nos últimos anos de vida da poetisa, não faria mal algum se começasse a contar a história um pouco antes na cronologia. Temos apenas referências de que a protagonista é uma escritora de sucesso. Sua luta para encontrar quem editasse sua coletânea so contos Charneca em Flor sequer é mencionada, tampouco sua colaboração no jornal D. Nuno de Viçosa. O enfoque unicamente na melancolia acaba por imprimir um ritmo arrastado à película, e uma certa angústia, pois poderia ser mostrada de forma equilibrada, a criatividade paralela aos conflitos. Seu caráter feminista forte e sua veia erótica são apenas pincelados em algumas passagens, não diretamente ligadas à escrita.
Sua vida intensa também fica só subentendida. Também incomoda o excesso de citações e frases de autores, o que em alguns momentos chega a ser caricato. Vicente produziu, um ano depois da estreia do filme nos cinemas portugueses, uma minissérie com o mesmo elenco, porém com 50 minutos de material inédito, o que com certeza deu uma visão mais abrangente da protagonista do que nos 115 minutos de projeção.
Essa versão condensada vista no cinema está longe de ser marcante como biografia, e como drama também se mostra inconsistente na maior parte do tempo. Resta torcer para que a escritora ganhe uma nova biografia, que faça jus a seu brilhantismo na obra e voracidade com que viveu.

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