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Guerra Civil e o realismo da ficção

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“Guerra Civil” chega em um momento bastante oportuno, uma vez que os pontos abordados estão em plena consonância com eventos correntes no mundo. Duas guerras regionais (Ucrânia, Gaza) e o cenário político polarizado às vésperas de uma nova eleição presidencial nos Estados Unidos. A produção da A24 se propõe a ser a porta-voz dessa reflexão sobre a política externa norte-americana justamente imaginando se as imagens de terror que acompanhamos em guerras, normalmente no oriente médio, ocorressem em pleno solo estadunidense.

Ambientado em um futuro relativamente próximo, uma guerra civil se instaura nos Estados Unidos. É neste cenário que uma renomada dupla de jornalistas de guerra, formada por Lee (Kirsten Dunst) e Joel (Wagner Moura) viajam com o objetivo de entrevistar o presidente na iminência de ser deposto. Em seu caminho encontram um colega veterano e uma jovem aspirante à função de correspondente de guerra. Nessa trajetória até a capital Washington, registram a dimensão de um cenário violento que tomou as ruas em uma rápida escalada, colocando toda a nação em um caos sem precedentes. Ao longo da jornada trabalho de registro acaba por se tornar também uma guerra de sobrevivência quando eles também se tornam o alvo.

O diretor Alex Garland – que surpreendeu o mundo com a ficção científica “Ex-Machina”, vencedora do o Oscar de efeitos especiais dado como favas contadas para “Star Wars – O Despertar da Força” – vinha de dois filmes não tão brilhantes (“Aniquilação” e “Men: Faces do Medo”) e se mostra, como no longa de 2015, um realizador com pleno domínio da semântica visual e completude narrativa. Seu futuro distópico traz impresso um realismo praticamente documental, uma vez que em muitos momentos o cineasta opta pelo recurso da linguagem de coberturas de guerra reais. Daí o uso de handcams que acompanham o movimento dos personagens e câmeras tremidas. A fotografia de Rob Hardy, colaborador de longa data do diretor, contribui acertadamente para o aspecto “registro verdade” pretendido por Garland.

O roteiro, também assinado pelo cineasta, transmite o clima tenso e a progressão da sensação de perigo, em uma típica estrutura de road movie (mais ou menos como a de Apocalypse Now) em que cada parada promete, ou mesmo revela, um susto ou uma surpresa. e não nos poupa da violência gráfica. Ao fim, o espectador está envolvido de tal forma que a preocupação com o destino dos personagens é inevitável.

O elenco é fundamental para que toda a engenharia funcione. Kirsten Dunst está no tom mais que perfeito da personagem Lee, a jornalista de guerra de excelência e aparentemente fria que é um grande exemplo para a jovem Jessie, interpretada por Caileen Spaeny que, apesar de muito nova, consegue transmitir todas as nuances sutis da personagem. Wagner Moura, principal chamariz do filme para o público brasileiro (e latino), brilha como de costume em inglês como sempre fez em português, interpretando um personagem obstinado, com um humor sarcástico, mas que ao mesmo tempo demonstra com menos pudores que a colega o quanto é afetado pelos horrores do ofício. Também merece destaque o excelente trabalho de Stephen McKinley Henderson como o veterano de coberturas de conflito Sammy.

“Guerra Civil” é apartidário e isso pode incomodar alguns. O diretor optou por focar no drama dos personagens e no olhar dos correspondentes de guerra do que em mostrar um ou outro lado do conflito como certo/errado. Por mais que possamos desconfiar de qual lado ele possa estar, ainda assim, sobra até margem para especular quem seriam os heróis, ou mesmo trabalhar com a hipótese de esse conceito sequer existir na trama. Ainda que um posicionamento mais assertivo pudesse tornar o longa ainda melhor, essa ausência não chega a empalidecer suas virtudes.

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