Os bastidores do segundo spin-off de Star Wars também poderia render um bom filme. Houve divergências envolvendo os diretores Phil Lord e Chris Miller (de “Tá Chovendo Hamburger”, “Uma Aventura Lego” e “Anjos da Lei”) e a presidente da Lucasfilm, Kathleen Kennedy, já que a dupla estaria conduzindo o longa para um caminho galhofeiro demais. Isso levou à demissão da dupla logo após terminarem a fotografia principal. Como justificativa, a famosa alegação de “diferenças criativas”.
Além disso, vazaram informações de que Alden Ehrenreich, escolhido para ser a versão jovem do personagem imortalizado por Harrison Ford, não conseguia entregar uma performance digna para protagonizar a aventura, a ponto de contratarem um “coach” para que sua atuação melhorasse, entre outros “causos”. Portanto, a pergunta que se faz é: Depois de todos esses problemas (somados a uma divulgação quase inexistente em comparação aos outros filmes da franquia, com poucos trailers e imagens), “Han Solo: Uma História Star Wars” (“Solo: A Star Wars Story”, 2018) consegue ser, pelo menos, um bom filme?
Por incrível que pareça, sim. Mas desde que o espectador não faça maiores exigências e consiga embarcar numa obra que, se está longe de ser brilhante como os melhores títulos da franquia (como “O Império Contra-Ataca”, “Uma Nova Esperança” e, vá lá, “O Despertar da Força” e “Rogue One”), pelo menos cumpre direitinho o objetivo de entreter o público com situações e diálogos bem humorados, cenas de ação decentes e elementos que, certamente, vão fazer a alegria dos fãs mais escolados em relação ao universo criado por George Lucas.
Porém, há mais falhas do que costumam acontecer em projetos ambiciosos como esse. Isso é visível especialmente na direção e no roteiro, que acabam desperdiçando o enorme potencial que seus realizadores tinham nas mãos, tornando o filme apenas um mero passatempo.
Assim, vemos Han Solo (Alden Ehrenreich), um jovem que vivia como andarilho em seu planeta natal, Corellia, cometendo pequenos roubos. Até o dia em que consegue partir dali e, após um período passando por conflitos envolvendo o Império Galático, ele conhece o mercenário Tobias Beckett (Woody Harrelson) e sua parceira Val (Thandie Newton), além do piloto Rio Durant (voz de Jon Favreau) e o wookie Chewbacca (Joonas Suotamo), que viria a se tornar seu grande companheiro de aventuras.
As coisas se complicam quando, após uma missão não dar certo, o grupo acaba contraindo uma grande dívida com Dryden Vos (Paul Bettany), um temido contraventor. Para não piorar a situação, o grupo aceita ir a outro planeta para obter uma carga valiosa. Com eles, vai também seu braço direito, Qi’Ra (Emilia Clarke), uma mulher ligada ao passado de Han. Durante o percurso, ele acaba conhecendo o também contrabandista Lando Carlrissian (Donald Glover), sua parceira robótica L3-37 (Phoebe Waller-Bridge) e sua nave, a Millenium Falcon. Mas Han logo vai perceber que nem tudo é o que parece e terá que usar sua esperteza e suas habilidades como piloto para se dar bem no fim das contas.
O mais curioso em “Han Solo: Uma História Star Wars” é que, em nenhum momento, há a sensação de que o objetivo dos envolvidos na produção era fazer um filme épico. Por isso, o descomprometimento fez com que o filme fosse mais leve, com algumas boas piadas e diálogos interessantes. Um mérito que vem sobretudo do roteiro criado por Lawrence Kasdan (responsável pelos textos de “O Império Contra-Ataca”, “O Retorno de Jedi” e “O Despertar da Força”) e seu filho, Jonathan Kasdan, que criam situações para que surjam, de uma forma fluida, boa parte dos elementos que vão compor a personalidade de Solo com o passar do tempo. Assim, descobrimos detalhes como de onde vem o nome dele, quando adquiriu sua arma mais famosa, por que ele consegue se entender com Chewbacca e seu idioma peculiar, e por aí vai.
Paradoxalmente, sua grande qualidade é também sua maior fraqueza. Ao ser tratado de uma forma descompromissada, “Han Solo: Uma História Star Wars” não possui nenhuma sequência memorável, que até justificasse a sua realização, como foi, por exemplo, em “Rogue One: Uma História Star Wars”, especialmente seus 15 minutos finais.
Parte disso é a direção não muito empolgada de Ron Howard, que já provou ser um bom cineasta, embora seja bastante irregular. Se ele dirigisse o filme com o mesmo vigor que comandou, por exemplo, o ótimo “Rush – No Limite da Emoção”, teríamos certamente um filme bem mais interessante.
Só que Howard preferiu fazer tudo em banho-maria, como fez em “O Código da Vinci” e suas continuações. Assim, temos um filme bem feito, especialmente nas cenas de combates das naves, mas que não aproveita todo o seu potencial e acaba ficando no meio termo. Tudo bem que ele pegou o projeto já em andamento e sua missão era concluí-lo sem maiores danos. Mas um pouco de personalidade não faria mal.
Outro problema está no roteiro que, se por um lado acerta no ritmo, não consegue tornar minimamente intrigantes as reviravoltas da trama. Assim, algumas questões envolvendo os personagens e as mudanças que eles sofrem aparecem na história de forma tão protocolar que não causam nenhuma reação no espectador, a não ser um desanimado “Ah, tá…”. Nem mesmo quando surge um personagem surpresa na tela, há uma mudança neste quadro, o que denota a frieza com que as coisas foram orquestradas. E, provavelmente, não era a intenção inicial de seus realizadores.
Uma das grandes incógnitas do filme era saber se Alden Erhenreich realmente deu conta de interpretar o papel-título, que foi importante para tornar Harrison Ford um astro mundialmente famoso. O jovem ator, que se destacou em “Ave César”, dos irmãos Coen, conseguiu realizar um trabalho decente e não é, ao contrário do que muitos acreditavam, ser o principal problema do elenco. Ele dá o tom certo para a mudança de personalidade de Han Solo, que começa com um ar um tanto ingênuo (mas nunca idealista), que vai dando lugar a um cinismo à medida que a trama avança, uma das características que mais se destacaram no (anti-)herói nos filmes anteriores e que ajuda a tornar Ehrenreich uma boa escolha.
Quem se destaca, no entanto, é Woody Harrelson, que se mostra mais uma vez um ator bom para roubar cenas e entrega uma performance coesa como o “mentor” do protagonista e que tenta fazer o possível para mostrá-lo que deve sempre ficar com os olhos bem abertos em relação aos outros. Outro que também chama a atenção é Donald Glover, que parece estar adorando viver o malandro personificado por Billy Dee Williams em “O Império Contra-Ataca” e “O Retorno de Jedi”. Seu Lando é bem-humorado e esperto, além de ser extremamente vaidoso (o figurino dele e sua coleção de capas são verdadeiros achados) e ter uma relação curiosa com sua androide, que diverte com sua postura revolucionária e luta pelos direitos dos robôs.
Já Emilia Clarke, principal nome feminino do elenco, até convence nos momentos em que precisa se mostrar sedutora para conseguir o que quer. Mas não é tão carismática quanto poderia e compromete nas cenas mais dramáticas, o que não ajuda a tornar Qi’Ra uma personagem marcante. Paul Bettany, que é apresentado como o principal vilão do filme, deveria causar mais temor como Dryden Vos. Porém, apesar do visual bem funcional, nunca chega a realmente dar o tom certo para ser um verdadeiro problema para Han Solo e seu grupo.
Planejado para não só mostrar a origem do destemido piloto da Millenium Falcon, mas também para iniciar uma nova franquia (dependendo da bilheteria, claro), “Han Solo: Uma História Star Wars” é o menos impactante filme a levar a marca após a compra da Lucasfilm pela Disney. Mas, ainda assim, é bem melhor do que os dois primeiros episódios da segunda trilogia comandada por George Lucas e dá para o gasto quem quer satisfazer sua sede por “Star Wars” no cinema. O problema é que, um dia, a fonte pode secar e é bom a Disney/Lucasfilm pensar melhor seu plano de lançar mais filmes da série no futuro. Ou verá o interesse do público diminuir em menos que 12 parsecs.
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