“Se você roubasse um beijo de alguém, como faria para devolvê-lo?”
A singeleza dessa indagação resume muito bem a dimensão alcançada por Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, lindíssimo filme de estreia de Daniel Ribeiro, um aprimoramento de seu curta Eu Não Quero Voltar Sozinho, sucesso de 2010. Ali está contida a delicadeza da descoberta do amor, para além de uma simples sexualidade. No intimismo da pergunta, no frisson ressentido da possível resposta e na ternura dessa interlocução testemunhada por nós, espectadores, está a precisão (nunca intromissão) do roteiro escrito pelo próprio diretor, que consegue universalizar os sentimentos construídos para que seus personagens se tornem algo muito maior que dois adolescentes gays em conflitos emocionais.
Mas Hoje Eu Quero Voltar Sozinho faz pensar também sobre como poucas vezes a arte que se propõe a recorrer sobre o universo gay, versa sobre àquilo que mais denota a relação entre seus seres: o amor. Fala-se muito sobre descobertas sexuais, lê-se bastante a cerca dos imponderáveis desejos, mas é bem mais difícil uma imersão mais apurada sobre como regem os sentimentos de indivíduos que têm sua sensibilidade marginalizada antes mesmo de desenvolvê-la.
Recentemente o americano Deixe a Luz Acesa sublinhou com observação um tanto aguda a questão. Agora, com essa quase fábula (muito bem fotografada) sobre o amor que emerge do encontro de Leo (Guilherme Lobo), adolescente que nasceu cego, e Gabriel (Fabio Audi), somos preenchidos pela face mais solar e pulsante dos primeiros passos afetivos, da palavra lançada em sorrisos contidos e o frisson do amor mútuo.
São tão legítimos os sentimentos retratados. São tão sinceros os olhares lançados. O filme consegue nos fazer indagar a todo momento, como orientações sexuais ainda são tratadas como diferenciação social quando naquilo que torna todos os seres iguais, os tidos como diferentes, são tão parecidos? O amor ainda é a forma mais efetiva expor humanidades e ninguém está imune a essa verdade. Nem gays, nem héteros, nem você, nem eu… A única orientação exigida aqui é a emocional. E é justamente no terreno das emoções que a pergunta que inicia esse texto é respondida. E em vez do choque ou estranhamento de testemunhar o beijo íntimo e pessoal de dois adolescentes gays, fica a certeza de que a veracidade do ato legitima o fato.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é um filme tocante e importantíssimo para o cinema nacional. Principalmente por fazer do amor a única bandeira que deve existir entre os indivíduos.
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