Jardim dos Desejos é bom desfecho para trilogia de Paul Schrader

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ESTA CRÍTICA TEM SPOILERS

O protagonista de “Jardim dos Desejos” diz que “jardinagem é a arte mais acessível”. Ele também conta, na mesma narração em off, que a vida útil das sementes gira em torno de 850 a 1250 anos. São então reveladas suas sementes, que ele leva gravadas na pele: por suas tatuagens descobrimos que se trata de um antigo membro de um grupo neonazista. Por isso, era de se esperar que ele reagiria com animosidade após receber como aprendiz uma jovem negra. Mas isso é o oposto do que acontece no filme.

Narvel Roth (Joel Edgerton), jardineiro-chefe responsável pelos jardins de uma propriedade chamada Gracewood Gardens, recebe da dona do local, Norma Haverhill (Sigourney Weaver), uma missão: ele terá de ensinar tudo o que sabe para a sobrinha-neta de Norma, Maya (Quintessa Swindell), uma jovem adulta sem família e com muitos problemas.

Narvel está longe do grupo neonazista desde que teve sua pena reduzida por colaborar com as investigações e dar o nome de integrantes do grupo. Seu nome sequer é Narvel: foi assim que ele foi rebatizado e procurou reconstruir a vida em meio a flores e plantas, longe da família.

Norma não tem papas na língua e não pensa duas vezes para fazer insinuações sobre ou criticar Maya, o que cria um clima tenso entre elas. Norma queria que os jardins ficassem para alguém da família quando ela morresse, por isso chamou Maya para ser aprendiz.

Quando são expulsos de Gracewood Gardens por uma Norma plena de soberba, Narvel e Maya passam a morar juntos num hotel de beira de estrada. Ele decide ajudá-la a se livrar do vício em drogas, vivendo com ela a crise de abstinência e frequentando reuniões dos Narcóticos Anônimos. Ficamos sabendo que Narvel tinha uma filha que tinha cinco anos na época em que ele foi preso, e à menina foi dito que ele morrera num acidente. Ele passa a ser a figura paterna que nunca foi presente na vida de Maya… até que ela vê as tatuagens dele e exige uma explicação.

Considerando os tempos em que vivemos, é arriscado humanizar um ex-neonazista – aliás, podemos mesmo acreditar 100% que ele é “ex”? Ele diz que cresceu aprendendo a odiar quem era diferente, odiou e era bom nisso. Acreditamos que ele mudou não porque ele diz isso com palavras, mas porque esta é uma jornada de redenção, como as que o diretor Paul Schrader já filmou no passado. 

Roteirista de “Taxi Driver” (1976) e “Touro Indomável” (1980), Schrader debutou bem como diretor e aqui fecha uma trilogia, talvez feita “sem querer querendo”, da qual fazem parte “Fé Corrompida” (2017) e “O Contador de Cartas” (2021). Ao contrário destes dois filmes, que estrearam diretamente no streaming, “Jardim dos Desejos” chega aos cinemas brasileiros, embora isso aconteça quase dois anos após a estreia no Festival de Veneza.   

Não é desenvolvida a frase que abre este texto, sobre a jardinagem ser a arte mais acessível. É verdade que o filme nos ensina que o despertar sexual pode ser como um jardim florescendo, e que destruir um jardim pode ser um ato de vingança. As metáforas com a jardinagem podem ser pensadas a partir do roteiro ad infinitum, como o próprio Schrader declara:

A jardinagem é uma metáfora particularmente rica, tanto positiva quanto negativamente. Comecei a perguntar a razão desse jardineiro ser tão recluso. A partir daí, pensei no Programa de Proteção a Testemunhas, e novamente você se pergunta, ‘por que ele está no programa?’”

Marcando a primeira vez desde “Taxi Driver” em que um personagem de Schrader está influenciado por duas mulheres muito diferentes – uma com idade para ser sua mãe, outra jovem o suficiente para ser sua filha. As mulheres não são meros acessórios, mas são também agentes nesta história de culpa, enfrentamento do passado e, finalmente, redenção.

Jardim dos Desejos

Jardim dos Desejos
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Nota: 7/10 Ótimo
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