“Jogos Vorazes” é sagaz e respeita a puberdade de seu (aparente) público alvo

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Uma boa história passa pela pertinência com que alcança o momento em que é descoberta. Em massa. Jogos vorazes, de Suzanne Collins, um livro publicado originalmente nos EUA, em 2008 e lançado no Brasil pela editora Rocco, criou um universo metafórico e distópico, fazendo alusão à febre dos realitys shows, mas com um ímpeto de crueldade e criticidade tão eloqüente que me deu muita vontade de lê-lo.

Antes, (óbvio) Hollywood produziu sua esperada adaptação cinematográfica e, para surpresa geral, o fez muito bem e ainda respeitando a premissa e o vigor da matéria prima original. Roteirizado por Collins ao lado de Billy Ray e do diretor Gary Ross, o longa se passa em um país que, batizado de Panem, promove um jogo anual que coloca jovens casais representando cada um de seus doze distritos em uma batalha na qual apenas um indivíduo sobreviverá. Oferecendo-se para poupar a irmã pequena, que havia sido sorteada para a disputa, a heroína Katniss Everdreen (Jennifer Lawrence) torna-se a representante do miserável Distrito 12 ao lado de Peeta Mellark (Josh Hutcherson). O próprio sorteio em si, já faz uma alusão ao apartheid social que domina o mundo, uma vez que nenhum dos “combatentes” do Distrito 12 havia ganhado a “competição” antes por ser um local de pessoas pobres e sem treinamento, mas Katniss parece desenvolver uma chance real de mudar esse histórico.

O diretor Gary Ross foi prudente ao não se deter ao aspecto espetaculoso que o livro tanto denota, como a crueldade dos homicídios, mas – até para segurar a classificação indicativa – em pautar a força da história na tensão daquela caçada humana. Tanto que o início do filme é um tanto arrastado frente à testosterona na metade final. Mas adaptar um filme de um livro bom parece mesmo ser uma tarefa feliz, tanto que não se consegue fazer um filme bom da “saga” Crepúsculo. Por isso que as camadas interpretativas se mantêm na tela grande e são muito bem jogadas para o espectador, isso num filme com pegada adolescente e que vem com a responsabilidade de abrir o período dos filmes milionários do verão ianque.

Lawrence é um atriz competente e de credibilidade (e digo isso antes de sua indicação ao Oscar, ano passado, por Inverno da Alma). Suas qualidades trazem para sua heroína um quê de verossimilhança para além do clima fantasioso (marcado pela curiosa direção de arte), pois são nos momentos mais prosaicos de seus sentimentos que o seu olhar joga um farol para as possibilidades que o filme ganha. Assim como Hurtcherson, um adulto em forma de rapaz.

É um alívio que Jogos Vorazes não seja apenas mais usurpação literária para salvar o caixa de um estúdio, mas, assim como a franquia Harry Potter (mesmo entre seus altos e baixos), legitimar um universo sem confundir puberdade com acefalia.

[xrr rating=3.5/5]

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